Após o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) determinar a abertura de Processo Administrativo Disciplinar (PAD) contra o procurador de Justiça Luiz Alberto Scaloppe, acusado de assédio moral e sexual contra uma servidora da instituição, o Sindicato dos Servidores do Ministério Público do Estado de Mato Grosso (SINDSEMPMT) se manifestou publicamente repudiando os fatos investigados. Nesta quarta-feira (5), depois que o procedimento sigiloso vazou e repercutiu na imprensa, a esposa de Luiz Alberto, Marluce de Oliveira Machado Scaloppe, emitiu posicionamento afirmando que as denúncias são falsas.
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Procurador de Justiça é investigado por assédio sexual e moral contra servidores do Ministério Público
A decisão colegiada foi tomada, à unanimidade, pelo Conselho na sessão extraordinária realizada nesta segunda-feira (3). A abertura do PAD partiu do relator, corregedor nacional, Oswaldo D’Alburquerque, ao analisar reclamação disciplinar.
Ao avaliar o caso, que chegou a ser arquivado pelo MPMT, o corregedor afirmou que a conduta é “procedimento reprovável, importando em desrespeito às leis em vigor e à própria Instituição”, além de verificar “indícios suficientes de autoria e de materialidade”. A penalidade sugerida é a de suspensão por 44 dias.
Na nota, o Sindicato afirmou que repudia qualquer forma de assédio, seja ele sexual ou moral, dentro do ambiente de trabalho. Acrescentou que relatos apresentados pelas vítimas são extremamente graves e inaceitáveis, o que evidenciaria conduta incompatível com os deveres e o decoro exigido para o cargo.
Contemplou a reabertura do processo pelo CNMP, considerando ser isso um passo importante na busca pela justiça e responsabilização dos integrantes do MP pelos seus atos.
O caso veio à tona na mesma semana que, em âmbito nacional, foram assinados projetos de lei relevantes para o contexto mais amplo de combate ao assédio e discriminação, inclusive no ambiente de trabalho, como o 1.852/2023, que altera o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para incluir o assédio moral, o assédio sexual e a discriminação como infrações ético-disciplinares.
“É fundamental que internamente os responsáveis conduzam uma investigação rigorosa e imparcial, garantindo o devido processo legal e a proteção das vítimas. Casos de assédio devem ser tratados com seriedade e punidos de acordo com a gravidade das condutas praticadas e da honradez de que faz jus o Ministério Público de Mato Grosso que não deve ser afrontada por atos de quem quer que seja, sob pena de descrédito da população a quem deve defender”, emitiu o Sindicato na nota assinada pelo seu presidente, Eziel da Silva Santos.
Além do posicionamento sindical, a esposa do procurador, Marluce de Oliveira Machado Scaloppe, afirmou que as denúncias são falsas, feitas por “por uma pessoa doente de maldade”. Ainda rebateu as acusações afirmando que, na verdade, a vítima do caso seria seu marido.
Lamentou Marluce sobre a repercussão que a imprensa deu ao caso, argumentando que os relatos da servidora foram feitos porque ela teria ficado descontente com a demissão do cargo de assessora do procurador.
O caso
Segundo investigação, uma servidora que trabalhou por muito tempo com ele o denunciou pelas práticas de assédio moral e sexual. Ela, inclusive, procurou auxílio psicológico e psiquiátrico para lidar com o ambiente de trabalho chefiado por Scaloppe, fato que foi corroborado pelo depoimento de outras pessoas que com eles laboraram.
"Ele começou a me agarrar e querer forçar beijo na boca", diz trecho de depoimento. "Ah, suas pernas estão muito bonitas, você está sensual de saias", teria dito o membro do MPE. "Ele me deu dois tapas nas nádegas", relatou vítima.
Ambiente tóxico, limitação ao uso de banheiro, cobranças excessivas injustificadas, tratamento desrespeitoso e opressivo foram alguma das colocações apontadas em depoimentos de servidores e servidoras que eram subordinados hierarquicamente ao promotor.
A decisão de investigar o procurador foi do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), após o caso ter sido arquivado no MPMT. Na defesa de Scaloppe, um dos votos pelo arquivamento da sindicância apontou que o caso poderia ser enquadrado como "falta disciplinar de falta de urbanidade".
Outra servidora, arrolada como testemunha de defesa, depôs afirmando que não teria conhecimento dos fatos narrados contra o promotor. No entanto, Oswaldo anotou que “as afirmações feitas pela testemunha de defesa em nada rechaçaram a narrativa afirmada pela denunciante”.
A decisão de arquivar o feito, prolatada pela corregedoria regional, bem como a postergação do caso, foi criticada pelo conselheiro Oswaldo, já que isso poderia acarretar em prescrição, uma vez que os fatos narrados pela denunciante ocorreram em 2021, e a denúncia apresentada um ano depois, em 2022.
Oswaldo concluiu, ante os depoimentos das servidoras sobre os assédios moral e sexual possivelmente praticados pelo procurador, que ele descumpriu os deveres funcionais de manter a conduta pública, privada e ilibada, compatível com o exercício de seu cargo, já que ele teria tratado os colegas de trabalho com falta de urbanidade.
"Ante o exposto, diante da presença de indícios suficientes de materialidade e autoria das infrações disciplinares previstas, determino a instauração de processo administrativo disciplinar (PAD) em face do procurador de Justiça Luiz Alberto Esteves Scaloppe", aponta trecho do voto de Oswaldo.
Considerando a natureza grave das condutas e circunstâncias narradas pelas servidoras, e os danos que delas resultaram às vítimas, Oswaldo sugeriu para as infrações disciplinares a aplicação de duas sanções de censura, sendo uma delas para condutas configuradoras de assédio moral e outra para aquelas que consubstanciaram em assédio sexual.
Gabinete “tóxico” e “opressivo”
Na marcha da sindicância instaurada no âmbito regional, várias testemunhas que passaram pelo gabinete do procurador, nos últimos 10 anos, revelaram diversas situações de assédio, tanto morais como sexuais.
“Olha, eu vou ser bem sincero, pessoalmente eu classifico aquele ambiente como muito tenso, tóxico”, disse um trabalhador que foi desligado do gabinete em 2022.
Impedir funcionários de ir ao banheiro durante reuniões, ligações e cobranças fora do expediente, humilhações com gritos na frente de outras pessoas, comentários sobre as pernas das servidoras, relatos de tapas da bunda e tentativa de beijo forçado foram relatados.
Em um dos testemunhos foi dito que a recomendação era para evitar ficar sozinho com o Procurador. Além disso, relatos sobre medo de pegar carona e possível retaliações como perda de cargo e exoneração também foram informados.
Durante uma reunião entre Scaloppe e uma estagiária, esta relatou que foi convidada para um passeio de avião e, ante a negativa, ele debochou dizendo que a achava linda, "uma bonequinha, eu tenho vontade de te dar uma mordida, de te morder", diz trecho do depoimento. Este, inclusive, foi o motivo que a fez pedir exoneração do gabinete.
Em continuidade, respondendo aos questionamentos feitos por uma promotora sobre se teria sofrido algum tipo de assédio sexual, uma testemunha afirmou que “Precisava ir embora e ele tentando segurar a conversa até o momento que eu falei assim: ‘não, eu realmente preciso ir’ e a hora que eu fui levantar ele começou a me agarrar e querer forçar beijo na boca”.
Outro lado
Questionada pela reportagem se já haveria algum posicionamento oficial do procurador Scaloppe, a assessoria do Ministério Público de Mato Grosso informou que a sindicância instaurada no âmbito regional foi arquivada pelo Conselho Superior, sendo a apuração do caso remetida ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). O caso corre sob sigilo.
“A sindicância instaurada perante o MPMT foi arquivada pelo Conselho Superior do Ministério Público. A apuração segue perante o CNMP, e o processo corre em sigilo. O Ministério Público de Mato Grosso apoia toda e qualquer investigação independentemente de quem seja o investigado, e confia na deliberação do Conselho Nacional do Ministério Público”, emitiu a assessoria do MP.
Nota na íntegra de Marluce de Oliveira Machado Scaloppe: