O Congresso deve voltar a analisar em 2020 o PLC 27/2018, do deputado Ricardo Izar (PP-SP), que estabelece que os animais de estimação passam a ter natureza jurídica sui generis, como sujeitos de direitos despersonificados, ou seja, eles serão reconhecidos como seres sencientes, dotados de natureza biológica e emocional e passíveis de sofrimento.
A presidente da Comissão de Defesa dos Direitos dos Animais da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Mato Grosso (OAB-MT), advogada Glaucia Amaral, analisa que esta mudança deve trazer vários reflexos nas relações que envolvem animais de estimação, como nas questões de abandono, maus tratos, ou mesmo em caso de disputa de guarda ou pedido de pensão alimentícia.
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O texto do projeto de lei também acrescenta dispositivo à Lei dos Crimes Ambientais para determinar que os animais não sejam mais considerados bens móveis para fins do Código Civil (Lei 10.402, de 2002). Com as mudanças na legislação, os animais ganham mais uma defesa jurídica em caso de maus tratos, já que não mais serão considerados coisas, mas seres passíveis de sentir dor ou sofrimento emocional. A advogada Glaucia Amaral classifica esta mudança como um avanço.
“Eles passam a ser seres, deixam de ser considerados como coisas, porque eles também tem sentimentos que nós temos, talvez não na mesma complexidade, além dos sentidos básicos, assim como nós eles enxergam, ouvem, emitem som, então a partir do momento que você reconhece que existem estes sentimentos, você também reconhece a possibilidade de dor, de que eles sejam feridos, e isso é um fato a ser tutelado pelo direito”.
A advogada explicou que este PLC trará uma modificação da condição jurídica dos animais de estimação, atingindo várias relações jurídicas que os envolvem, tratando, por exemplo, dos casos de abandono.
“Você pode dispor de uma cadeira, por exemplo, da maneira que quiser, se amanhã você não quiser mais isso, você pode jogar fora, descartar ou desmontar, mas um ser senciente é diferente, você não pode simplesmente descartar um cachorro no meio da rua, ele tem necessidades, a responsabilidade é sua”, disse.
A defensora dos animais ainda disse que, embora já existisse a tipificação dos maus tratos a animais na legislação, a validação da senciência é algo que veio para garantir de fato os direitos e o bem estar dos animais.
“Na minha opinião existia até uma certa contradição, definirem como coisa. A condição de senciente está vindo por causa de um conceito científico, porque hoje a comunidade científica reconhece os sentimentos dos animais, mas pela prática nós já sabíamos, e a nossa legislação já reconhecia que existem práticas que são cruéis a eles, que eles sentiam dor, então eu acho que faltava este avanço em relação ao reconhecimento de que eles são seres, não coisas”, disse.
Ela avalia que esta mudança deve trazer reflexos em relações como a de convívio em condomínios, já que os animais também terão seus direitos (como o de latir, por exemplo), mas também nas relações familiares.
“Quando falamos da necessidade da criação de uma Comissão do Direito Animal é porque hoje estes direitos já acabam interferindo em diversas esferas do Direito, em direito da família especialmente, como é a questão da tutela”, disse.
“Por exemplo, o casal se separa, os dois têm o direito ao convívio com o animal, mas deve ser analisado o que é o melhor para o animal. Mas também, outra situação, a pensão, porque há despesas com ração, veterinário, banho, tosa, então isso vai ter que ser discutido também, porque é uma questão das responsabilidades dos dois para com o animal. Antes o animal entrava como uma propriedade a ser dividida, mas já existem decisões sobre direito de visita ao animal. [...] Então a gente modifica o ponto de vista da discussão das relações envolvendo os animais de estimação, é um avanço bastante importante”, afirmou.
A advogada também afirmou que o PLC, se aprovado, também trará mais responsabilidades ao Estado para com os animais, no desenvolvimento de políticas públicas para estes seres. Ela ainda espera que este avanço no direito dos animais de estimação também acabe sendo estendida aos demais animais.
“É uma legislação que, eu acredito que no Brasil veio tímida, mas é necessária, é uma adequação pela qual teremos que passar. Hoje tudo o que se faz é do ponto de vista humano, quando se fala em hospital veterinário público é pensando nas famílias carentes. Mas isso deve mudar. Tem que pensar na identificação deles, nos programas de adoção. Vão ter muitos aspectos a desenrolar depois da aprovação desta legislação, que esperamos que seja mesmo aprovada, porque é um avanço”.