Olhar Jurídico

Segunda-feira, 06 de maio de 2024

Notícias | Civil

GREVE DO SINTEP LEGAL

Servidores não podem ficar submissos, diz desembargador ao garantir legalidade da greve dos professores

29 Jun 2016 - 09:33

Da Redação - Paulo Victor Fanaia Teixeira

Foto: Reprodução

Juvenal Pereira da Silva

Juvenal Pereira da Silva

O desembargador Juvenal Pereira da Silva, do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), indeferiu na noite desta nesta terça-feira (28) a liminar impetrada pelo Governo do Estado que buscava tornar ilegal a greve dos professores representados pelo Sindicato dos Trabalhadores do Ensino Público (Sintep). Com a decisão, está declarada legal a paralisação da classe, que solicita o imediato pagamento de 11,28% da Revisão Geral Anual (RGA). Em um texto duro, o magistrado avaliou as condições da educação no país, o papel dos servidores e do Estado e afirma: "os servidores não podem ficar submissos ao juízo de conveniência e oportunidade do Executivo"

Leia mais:
Juiz determina que agentes penitenciários voltem a atender advogados; multa diária será de R$ 5 mil

No recurso, o Governo alegava que a paralisação, que aderiu a um movimento geral das classes do Estado, era ilegal, pois não havia indicativos de ruptura dos canais de negociação pela administração pública. Acrescentaram “que as carreiras representadas por sua iniciativa substitutiva não gozam da prerrogativa de paralisar suas atividades, ainda que parcialmente, dada a condição diferenciada no plano de serviços públicos por eles ocupadas”.

O Governo argumenta ainda que “o movimento paredista é abusivo, sobretudo em razão de sua deflagração precoce, ou seja, antes mesmo do esgotamento das negociações entre o ente sindical e o Poder Executivo Estadual, e a sua ilegalidade fica reforçada por violação às disposições da Lei 7783/ 1989”.

O Estado cita ainda jurisprudências do Supremo Tribunal Federal (STF) que dizem que “a atividade desenvolvida pelos servidores públicos educacionais é considerada um serviço essencial”, e por tanto não poderia ser interrompido.

Dessa forma, pediram o deferimento do pedido da antecipação da tutela “para impedir a paralisação dos serviços públicos, ou, que seja determinada a retomada imediata de suas atividades, com fixação de multa diária de R$ 100.000,00 por descumprimento da ordem judicial, sob pena de desobediência, e desconto dos dias paralisados aos servidores grevistas, com o retorno imediato de 80 % da totalidade dos servidores ao exercício de suas funções normais”.

Decisão:

O desembargador Juvenal Pereira da Silva inicia o texto de sua decisão com uma frase: "Aquele que não luta pelo seu direito, não é digno dele".

E inicia avaliando que considera que “as conquistas obtidas de modo geral pela sociedade ao longo dos anos, especialmente após o advento da Constituição Federal de 1988, reluzem à olhos claros, sendo possível traçar uma nítida divisão entre o Brasil pré-nova era democrática, com suas bases paradas no tempo, e os modernos e exigentes tempos atuais”.

Assim, considera que “os benefícios herdados coletivamente não são somente direitos, mas sim responsabilidades de todo cidadão, de se empenhar em preservar, pois somente assim, cada um faz jus ao anseio por viver sua vida como deseja, ter o amparo da lei imparcial, mediante a qual as queixas de cada indivíduo que experimente o amargor do prejuízo injusto, sejam solucionadas e os danos, reparados, dentro de um universo democrático e equilibrado”.

Parágrafo seguinte, o desembargar passa a avaliar em linhas gerais o contexto sócio-educacional do Brasil. Diz que apesar de ter se expandido em todos os níveis, é sabido que “encontra grandes dificuldades em melhorar sua qualidade e eficiência”. Acrescenta que no rol das necessidades estatais está a de “desenvolver a competência, o uso eficiente dos recursos públicos, e a criação de mecanismos efetivos para corrigir os problemas de iniquidade econômica e social, marcas históricas de um pais jovem e em franca evolução, porém, que não podem em hipótese alguma, servirem de desculpa para que as melhorias não sejam incessantemente projetadas e aplicadas”, diz.

Este quadro dramático, conclui o desembargador, “resulta na falta de uma população educada e competente, sendo esse freio para o crescimento econômico, e a limitação de recursos não é o único fator que afeta a capacidade de resolver os problemas educacionais”.

Da importância do ensino público:

“Ainda que as escolas de orientação religiosa tenham permanecido através do tempo, a expansão recente do ensino privado de primeiro e segundo graus se deve sobretudo à perda de qualidade do ensino público, fazendo surgir um espaço para uma oferta empresarial de educação diferenciada para os filhos das classes médias e altas. No nível superior, ao contrário, a expansão relativamente pequena do setor público, controlada pelos exames de ingresso e pela manutenção de padrões de seletividade relativamente altos em muitas instituições, permitiu que o sistema privado se expandisse para atender sobretudo à uma clientela cujas condições educacionais prévias não permitiam o acesso às universidades públicas”.

As classes menos favorecidas:

“Infelizmente”, continua o desembargador Juvenal da Silva, “essa dinâmica não vem abarcando as classes menos favorecidas, as quais dependem com toda a fé, do ensino público, possuidor de tantas necessidades, com profissionais que a fim de manter o espírito do ensino vivo, e ai inclua-se a dedicação e a qualidade, ainda que com parcos recursos, da educação lecionada, se desdobram, sacrificando na maioria das vezes, a si mesmos, para que as novas gerações, necessitadas de instrução e qualificação, tenham uma educação minimamente digna e possam desenhar um futuro no horizonte”.

Pois bem...

Terminada a avaliação crítica, o desembargador passa para a análise jurídica da peça. Ele ressalta que não está ciente do deferimento, nos últimos dias, dado por seus pares, das ações pretendidas pelo Estado. Mas ele ressalva, desconhece os fundamentos da greve das demais classes e por isso se limitou a julgar o caso dos professores do Sintep.

E julga...

“[...] não se pensa como justo que os vencimentos, proventos ou pensões permaneçam sem reajustes, não acompanhando a evolução dos preços dos bens de consumo e serviços, não mais correspondendo à realidade econômica do País”, diz o desembargador, segundo consta da decisão. Que continua. “Dessa forma, admitir que a economia sofra as consequências da inflação sem que os vencimentos dos servidores sejam reajustados, importa em impor a estes, de forma quase que imediata, perda significativa do poder aquisitivo, com a redução do poder de compra e subsistência, e levá-los à vala da indignidade como ser humano”.

Do papel dos servidores:

“[...] os servidores não podem ficar submissos ao juízo de conveniência e oportunidade do Executivo, esperando que seja fixado um percentual que traduza efetivamente as perdas inflacionárias dos vencimentos do período”. Sendo assim, “tem-se que, caso seja o valor estabelecido muito aquém daquele que seria apto a recompor o valor real da perda dos vencimentos, a alternativa que restará aos servidores públicos, será o de fazer valer, em sua plenitude, a garantia resguardada pelo inciso X, do artigo 37 da Constituição Federal / 1988”.

Da responsabilidade do Estado:

O desembargador cita jurisprudência do ministro do STF Celso de Mello, que diz:

"A omissão do Estado - que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional - qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental”.

“Não é ganho, é reposição”:

“[...] como já dito, correção monetária não é acréscimo, não é ganho, é mera reposição com o escopo de preservar o valor. Surge a percepção de ser a correção monetária uma necessidade para manter o objeto da relação jurídica, e não vantagem para aquele que pretende obtê-la”, avalia o desembargador, em trecho da decisão.

“Desprezo”:

Passa, momento seguinte, a avaliar a atuação do Governo de Mato Grosso:

“O requerente, em suas argumentações, sustenta que o direito pleiteado pelos grevistas, de recomposição salarial, é subjetivo, porém, conforme observo, trata-se de direito objetivo, com previsão constitucional. Afirma, também, que o Governo do Estado em momento algum inibiu o diálogo e negociações com a categoria. Nesse ponto, tenho que a alegação não prospera, visto que a negociação foi paralisada pelo Governo, quando este encaminhou o projeto de reajuste à Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso, com sua posição unilateral. Sustenta o requerente, que o Estado encontra-se com suas finanças fragilizadas e atuando no limite dos gastos possíveis, não havendo espaço para inovações e aditivos aos gastos públicos. Todavia, tal alegação contrasta com a postura adotada quanto ao respeito aos limites de gastos possíveis, diante da abertura programada de concursos públicos, como procuradores, defensores públicos, etc”.

Prossegue avaliando, o magistrado, que “se o agente público não adotou comportamento político necessário o suficiente, de modo a impedir a extrapolação do limite legal, a responsabilidade é dos administradores, e não dos administrados, não devendo estes, serem penalizados em seus direitos. A fim de dar contornos justificadores aos argumentos apresentados, o requerente compara a realidade enfrentada pelo Estado a administrações de locais pouco desenvolvidos, para demonstra a periclitante situação enfrentada. Porém, tenho que não se pode adotar como paradigma o exemplo de Estados em tese mal administrados, devendo-se sim, mirar em exemplos de administração plena, objetivando alcançar um estágio administrativo de excelência”.

Conclui:

“Dessa forma, sem maiores delongas, não observo a verossimilhança das alegações do Estado de Mato Grosso quanto à abusividade e ilegalidade do movimento paredista deflagrado pelo Sintep e a consequente paralisação pelos servidores públicos educacionais, razão pela qual indefiro o pedido de antecipação da tutela, para determinar a imediata retomada das atividades dos integrantes do movimento paredista”, encerra o desembargador.
Entre em nossa comunidade do WhatsApp e receba notícias em tempo real, clique aqui

Assine nossa conta no YouTube, clique aqui

Comentários no Facebook

Sitevip Internet