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Quinta-feira, 09 de maio de 2024

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Penas e leis mais duras não resolvem os problemas de segurança pública, avaliam advogados especialistas

Foto: Reprodução

Penas e leis mais duras não resolvem os problemas de segurança pública, avaliam advogados especialistas
Recentemente, uma série de propostas legislativas têm agitado o debate público sobre questões penais e processuais em Mato Grosso. O principal exemplo é o pacote de leis que pretende combater a impunidade, apresentado pela senadora Margareth Buzetti (PSD), e apoiado por lideranças como o governador Mauro Mendes (União) e o procurador-geral de Justiça, Deosdete Cruz Júnior, cuja intenção prevê mudanças no Código Penal como forma de garantir aos Estados a competência para legislar sobre questões em matéria penal, especialmente a respeito de fixação e cumprimento da pena. 


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O Olhar Jurídico, então, questionou dois especialistas em direito penal para saber se, de fato, as propostas seriam constitucionais e reduziriam os altos índices de violência em MT.

Não há dúvidas que Mato Grosso é um estado violento. Em 2023, teve a maior taxa de feminicídio do país, com 2,5 mortes para cada grupo de 100 mil mulheres.  Em 2022, o município de Sorriso, que vive verdadeira guerra entre facções e Segurança Pública, ostentou a 6ª posição no ranking de cidades mais violentas do Brasil, com 70,5 mortes violentas para cada 100 mil habitantes.

Em uma entrevista exclusiva, Fernando Cesar de Oliveira Faria, advogado e especialista em Direito, ofereceu análise crítica sobre essas propostas e os desafios jurídicos que elas enfrentam.

Corroborou com a reportagem Diego Renoldi Quaresma, advogado criminal, professor, palestrante e autor de livros e artigos sobre Direito Penal, Direito Processual Penal e liberdade de expressão.

Buzetti propôs regime fechado para líder de organização criminosa (PL 839/2024), o fim do regime semiaberto (PL 844/2024), que os Estados deverão legislar sobre direito penitenciário (PEC 8/2024) e poderão fazer mudanças no sistema penal e processual penal com relação ao cumprimento da pena (PLP 28/2024).

Indagados se há possibilidade de o Estado ter a competência para legislar sobre o código penal, ambos foram taxativos: “não”.

Competência legislativa em Direito Penal: um  limite constitucional intransponível
 
Faria foi categórico em sua resposta: ressaltou que o sistema constitucional brasileiro reserva essa competência exclusivamente à União, conforme o artigo 22 da Constituição Federal. Mesmo diante da possibilidade de autorização por lei complementar, Faria argumentou que questões fundamentais de Direito Penal não podem ser descentralizadas, sob risco de subverter o federalismo e violar direitos constitucionais.
 
Diego asseverou que permitir aos Estados essa prerrogativa resultaria em insegurança jurídica e falta de uniformidade nas leis criminais, prejudicando a eficácia do sistema legal nacional.

Penas mais severas: solução ou ilusão?
 
As propostas de aumentar penas e adotar regimes mais rígidos, como o regime fechado para líderes de organizações criminosas, são vistas com cautela por Faria. Para ele, o recrudescimento penal não resolve o problema de segurança pública e pode violar princípios constitucionais, como a individualização da pena. Além disso, ressaltou que propostas similares já foram rejeitadas anteriormente pelo Congresso Nacional
 
Quaresma também rejeita a ideia de recrudescimento das leis penais como solução para a problemática. Ele argumentou que o fortalecimento do crime organizado está enraizado na desorganização do Estado, sugerindo a necessidade de políticas penitenciárias eficazes em vez de penas mais severas.

“Esta política é absolutamente incompatível com o Estado Democrático de Direito. A alteração legislativa proposta, com a devida vênia, parte de uma orientação eminentemente política, porque invoca emergências, como altos índices de criminalidade, para justificar um Estado de exceção”, salientou Faria.

Desafios do sistema penitenciário: entre a teoria e a prática
 
Faria criticou a proposta de transferir a competência legislativa sobre direito penitenciário exclusivamente para os estados, destacando que a superveniência de leis federais suspende a eficácia das leis estaduais. Enfatizou a necessidade de enfrentar os problemas sociais que alimentam a criminalidade, ao invés de adotar medidas punitivas que comprometem os direitos individuais e os valores democráticos.
 
“Entendo que essa proposta, além perecer de chapada inconstitucionalidade e de 'surfar a onda do populismo', acaba por expor uma triste dicotomia: o 'cidadão' e o 'inimigo' da sociedade. Para alguns, a melhor forma para lidar com esse 'inimigo' é relativizar as garantias constitucionais e os critérios de imputação, tudo em prol da paz social ou da paz social do estado-membro 'x'”, pontuou.
 
Diego respondeu no mesmo sentido. Quaresma argumentou que a legislação sobre direito penitenciário deve permanecer uma competência concorrente entre União e Estados, enfatizando a importância da rede de apoio federal no combate à violência e ao crime organizado nos presídios.

“O sistema penitenciário brasileiro é frágil, cruel e corrupto. (...) a possibilidade de um preso possuir telefone celular e liderar uma gangue é muito mais perigosa do que a possibilidade de progressão de regime no sistema penitenciário. Sobre isso pouco ou quase nada foi feito, a não ser a implementação tardia (2003) do Sistema Penitenciário Federal”, sustentou.

Implicações da proposta de delegação de competência para os Estados no sistema Penal e processual Penal,
Quaresma questionou a necessidade de os Estados legislarem sobre questões penais, argumentando que a realidade social e criminal é similar em todo o país. Levantou que, sem autorização expressa da União, qualquer legislação estadual pode ser considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.

Opinião divergente

Assim como em outras áreas, a questão também gera divergência de opiniões no cenário jurídico. O procurador-geral de Justiça, Deosdete Junior, também opinou sobre as mudanças previstas pelos projetos apresentados pela senadora Margareth Buzetti. Afirmou que a federação norte americana foi inspiração para a brasileira e por lá os estados tem legislação penal própria. Ressaltou que permitir que estados legislem sobre questões penais, apesar de ser algo complexo, não violaria cláusula pétrea.

"Apenas o Estado de Mato Grosso possui a população equivalente a do Uruguai, o que reforça a crença da dificuldade de termos uma lei penal única para um país continental como o nosso. O Brasil possui vários desafios, dentre estes solidificar sua economia e tornar-se um país mais industrializado e tecnológico, uma democracia com distribuição de rendas e oportunidades, e apesar desses objetivos incontestáveis, a violência e o agigantamento de organizações criminosas são fatores que solapam a tranquilidade e a paz social e inibem o crescimento econômico e social em nosso país", afirmou ao Olhar Jurídico.

O chefe do Ministério Público ainda declarou que se pena e prisão por si só não resolvem o problema de violência, também é fato que a impunidade e leis insuficientes contribuem com o crescimento de organizações criminosas e com a violência. "Não pode o cidadão de bem pagar vivendo com medo e preso em sua casa. Por isso aplaudo iniciativas que procuram discutir o aprimoramento da legislação penal e processual penal que não atendem mais às necessidades dos dias de hoje".
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