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Sábado, 11 de maio de 2024

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MP acusa abuso de poder

Juiz dá voz de prisão a mãe de vítima que lhe desacatou em audiência

Foto: Reprodução

Juiz dá voz de prisão a mãe de vítima que lhe desacatou em audiência
Na última sexta-feira (29), audiência sobre homicídio ocorrido em 2016 terminou com a mãe da vítima recebendo voz de prisão do juiz Wladymir Perri, da 12ª Vara Criminal, por crime contra a honra e ameaça que ela teria cometido contra o magistrado e o advogado de Jean Richard Garcia Lemes, acusado de ter assassinado Cleowerton Oliveira Barbosa com pelo menos dez tiros.

 
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Sylvia Oliveira ficou presa por mais de 5h até ser liberada por não haver elementos para mantê-la detida. Conforme a promotora que atuou no caso, Marcelle Faria, o juiz teria agido com abuso de poder, desrespeitando resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre atenção e apoio às vítimas de crimes.

Para Perri, no entanto, a atitude de Sylvia foi desproporcional e agressiva, de modo a impactar negativamente o desenrolar da audiência, que teve de ser interrompida por conta dos ânimos exaltados. 

Vídeo obtido pela reportagem mostra a confusão que se instalou na sala da audiência e a sessão teve que ser encerrada pelo magistrado.

 

Termo de audiência

No termo de audiência, Wladymir Perri anotou que Sylvia Mirian Tolentino de Oliveira, mãe de Cleowerton, iniciou seu depoimento ofendendo o acusado, com falta de respeito, ocasião, então, que o magistrado teria solicitado que ela mantivesse a calma e o equilíbrio emocional. Ela respondeu que não teria inteligência emocional.

Perri, então, informou sobre a dificuldade de continuar a sessão e teria solicitado novamente que Sylvia tivesse calma. Ela, por sua vez, manifestou que iria embora e o magistrado entendeu por bem encerrar a audiência.

Na sequência, a mãe da vítima teria jogado um copo de água cheio em direção ao bebedouro, evidenciando sua postura agressiva. Em seguida, Sylvia teria ameaçado o acusado e seu advogado, sendo necessária intervenção dos presentes.

Advogado de defesa afirmou que Sylvia estaria ameaçando seu cliente, momento que Perri deu voz de prisão a ela pelo crime de ameaça. Perri então teria solicitado o corpo de guarda para retirar a testemunha. Com a chegada da Polícia Militar ao local, Sylvia teria continuado a se exaltar, chegando a xingar o juiz, o que ela nega.

“É de se relatar ainda, nessa ocorrência toda, ainda, jogou sua bolsa, em direção ao réu e advogado, momento em que foi definitivamente foi contida pelos seus familiares, qual o acompanhava, quiçá, em face ao seu estado emocional, pois mesmo antes da audiência, questionou ao Magistrado, qual era o sentido de tão só, após 7 anos estar sendo realizado a audiência, quando foi respondida a mesma, que a justiça, só da impulsionamento aos processos mediante provocação”, escreveu Perri no termo da audiência.

À reportagem, o magistrado se defendeu dizendo que tentou apaziguar toda a situação e que a promotora do caso, ao invés de fazer o mesmo, incitou que a confusão se estabelecesse na sessão.

“Os fatos que ensejaram a voz de prisão contra a mãe da vítima são crimes de ação penal pública condicionada que vai depender de representação que já estou fazendo, pois fui xingado por ela de juiz filho da puta, isso foi gravado, como está a tentativa de agressão, fui ameaçado por ela, porque senão segura ela partiria pra cima de mim, estava embebedada de ódio, ira e fúria”, afirmou Perri.

Ele acrescentou que a demora para julgar o crime não é culpa do Poder Judiciário, que somente age por provocação, e não de ofício. Caberia, segundo ele, ao Ministério Público dar celeridade ao desenrolar do processo.

“O MPE reclama que o caso já se arrasta por sete anos aguardando audiência, mas estou apenas a 1 ano na 12ª Vara Criminal. Completou um ano no dia 26 de setembro. A culpa de o processo não ter sido julgado é mais do MPE do que do Poder Judiciário. A promotora está há cinco anos nessa unidade e o poder judiciário não age de ofício, depende de provocação. Ou seja, pra mim o MPE está sendo inerte”, finalizou.  

Versão da mãe

Procurada, Sylvia negou que tenha xingado o juiz, tampouco proferido quaisquer ameaças no dia da sessão. Ela contou à reportagem que enquanto aguardava o início da audiência na antessala ouviu Perri brincar com sua assessora em tom provocador: “a, você já tomou seu remedinho hoje? Não vai ficar nervosa não né?”.

Prestes a iniciar a sessão, ela disse que o algoz chegou no local com seu advogado e lhe deu uma encarada, que resultou em ânsia de vômito e prantos de choro.

Dada sua hora de depor, a promotora lhe perguntou se tinha algum problema em falar de frente ao suspeito, quando respondeu não ter problema algum, “pra mim ele não era ninguém”.

Nesse momento o advogado de defesa disse que Sylvia estaria desacatando seu cliente e pediu que ela o tratasse com respeito. Perri, então, teria repreendido a mãe pedindo que ela agisse com inteligência emocional.

Emocionada por depor frente a frente com o algoz do seu filho, novamente Sylvia disse que, para ela, Jean não representava nada e que tinha plena concepção do que estava acontecendo.

Diante disso, porém, o magistrado disse que não havia condições de continuar o ato e suspendeu a audiência, impedindo inclusive que o Ministério Público continuasse a sua sustentação.

Encerrada a sessão, a depoente, no calor da emoção, virou-se para o réu e proferiu: “você irá pagar por isso tudo, mesmo que não seja na lei da terra, mas na lei de deus você vai pagar”, momento em que o magistrado imediatamente determinou sua prisão por ameaça.

Ocorre que Sylvia não se referiu à Perri, tendo reclamado contra o assassino do seu filho. Indignada com a situação, ela teria jogado um copo cheio de água no bebedouro, danificando o aparelho.

Sylvia ficou detida no fórum até perto das 21h. “A vítima era eu, sai humilhada de um lugar que era pra eu ser protegida. Queria que ele (Perri) tivesse na minha pele ou julgando uma pessoa que tivesse matado o filho dele. Eu fui ali para ser testemunha de um assassinato depois de sete anos ocorrido e não fui bem tratada. Sai sendo julgada por uma coisa que não fiz, saí pior que o criminoso que estava lá dentro. Por um julgamento errado de uma pessoa que não estava preparada para me atender”, lamentou.
 
O que diz o MPE

Procurada, a promotora Marcelle afirmou que Sylvia, após perder o filho, entrou em profunda depressão, perdeu também o marido e o trabalho, tendo sua filha assumido a responsabilidade de ser atendida no processo pelo Núcleo de Defesa da Vida, núcleo do MP que presta a inclusão efetiva das vítimas e familiares de crimes dolosos contra a vida.

Nesse sentido, sugeriu a promotora que o magistrado teria agido com abuso de autoridade e, ao ter dado voz de prisão a Sylvia após ela ter direcionado palavras ao acusado e seu defensor.

“O magistrado, em evidente abuso de autoridade, demonstrou que está despreparado para acolher as vítimas e familiares das vítimas das graves violações de direitos humanos, caminhando em direção contrária à própria política institucional do Poder Judiciário”, asseverou a Promotora em Habeas Corpus impetrado em favor da liberdade de Sylvia.

Faria ressaltou ainda que Perri teria desrespeitado a Resolução nº 253, de 4 de setembro de 2018, do Conselho Nacional de Justiça, que define a política institucional do Poder Judiciário de atenção e apoio às vítimas de crimes e atos infracionais. Norma determina, entre outras coisas, a obrigação do Poder Judiciário de acolher e amparar as vítimas diretas e indiretas de atos infracionais.

“A mãe da vítima estava totalmente abalada, ficou mais de 4 horas presa no fórum, enquanto o acusado entrou e saiu normalmente”, enfatizou. Marcelle acrescentou que irá representar contra Perri na Corregedoria do Tribunal de Justiça (CNJ) assim que o vídeo contendo a íntegra da audiência for juntado aos autos.

O crime

Jean Richard Garcia Lemes foi denunciado pelo Ministério Público pelo homicídio de Cleowerton Oliveira Barbosa. O crime ocorreu em 2016, no dia 10 de setembro. Segundo o MPE, era por volta das 9h30 quando em via pública do bairro Novo Milênio, ao lado da “Distribuidora MS”, em Cuiabá, Jean assassinou Cleowerton.

Segundo apurado, Cleowerton era usuário de drogas e se envolvia constantemente na prática de delitos patrimoniais. Por conta da dependência química, costumava aliviar a adicção em uma casa abandonada, perto dos fundos de onde residia a mãe do denunciando Jean.

Dias antes dos fatos, Jean teria ameaçado a vítima no momento em que esta fazia uso de drogas, dizendo que daria vários tiros em sua cabeça. Segundo o MPE, ele, de fato, colocou em prática o plano matar o desafeto. No dia dos fatos, a vítima transitava em sua motocicleta quando foi surpreendida por Jean.

Com uma arma de fogo em punho, efetuou diversos disparos contra Cleowerton, dos quais ao menos 10 o atingiram. Após a prática delituosa, o denunciando empreendeu fuga. A vítima morreu no local em razão de traumatismo cranioencefálico.

O crime foi praticado mediante recurso que dificultou a defesa da vítima Cleowerton Oliveira Barbosa, uma vez que estava desarmada em sua motocicleta, sendo certo que não esperava o ataque repentino de Jean.

Nota de apoio

A Associação Nacional da Advocacia Criminal em Mato Grosso (Anacrim-MT) manifestou seu apoio irrestrito ao defensor Railton Ferreira de Amorim, que participou da audiência. O episódio, na concepção da Anacrim, foi ofensivo ao exercício da advocacia e revelou desconhecimento sobre a ordem constitucional vigente. 

Railton teria solicitado respeito e urbanidade por parte de Sylvia, tendo sido atendido por Perri, que presidiu a sessão. Foi cientificado que a testemunha se comportou inadequadamente e de maneira temerosa, sendo protegida pela representante do MPE. 

"O reconhecimento de que todos os cidadãos acusados (independentemente dos fatos que se lhe atribuam) são merecedores de defesa eficiente, ampla e combativa, além de decorrer do ordenamento jurídico, é um imperativo de justiça", diz trecho da nota.

Veja a íntegra

A ANACRIM-MT – Associação Nacional da Advocacia Criminal em Mato Grosso - manifesta seu irrestrito apoio ao Advogado Criminalista e Presidente de sua Comissão Acadêmica, RAILTON FERREIRA DE AMORIM. O referido profissional participava de uma audiência de instrução e julgamento na 12ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá-MT, no ultimo dia para 29 de setembro de 2023, quando foi desrespeitado em sua atuação e prerrogativas profissionais por uma testemunha que se dirigiu por várias vezes de maneira pejorativa e imprópria ao seu patrocinado. O profissional exigiu respeito e urbanidade na solenidade sendo prontamente e atendido pelo magistrado presidente da audiência que cientificou a testemunha quanto ao seu comportamento inadequado e temeroso, posição infelizmente não seguida pela representante do Ministério Público Estadual, que argumentou durante o ato, que a testemunha por estar investida de grande emoção deveria ter suas atitudes e falas hostis relevadas, necessitando ser amparada pela justiça, antes mesmo de agir com urbanidade e respeito aos demais participantes do ato. O episódio é ofensivo ao livre exercício da advocacia e revela desconhecimento quanto a ordem constitucional vigente, no particular referente a indispensabilidade do advogado à administração da justiça (CF, art. 133). O reconhecimento de que todos os cidadãos acusados (independentemente dos fatos que se lhe atribuam) são merecedores de defesa eficiente, ampla e combativa, além de decorrer do ordenamento jurídico, é um imperativo de justiça. Dessa feita, a ANACRIM-MT exige respeito das autoridades constituídas, proclamando o artigo 133 da Constituição Federal e desde já se coloca à disposição para somar esforços em prol de uma sociedade pacífica e justa, pois é esta nossa missão institucional.


 
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