Ao conceder o Mandado de Segurança (MS) 31803, a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), garantiu o pagamento de pensão temporária ao neto de um servidor público federal, na qualidade de menor sob guarda, que lhe foi concedida após o falecimento do avô. O MS questionou decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) que negou registro à pensão.
Consta nos autos que o TCU considerou ilegal o benefício sob argumento de que o artigo 5º da Lei 9.717/1998 equiparou os beneficiários dos regimes próprios dos servidores públicos ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Portanto, extinguiu as categorias de pensão civil estatutária previstas nas alíneas "a", "b", "c" e "d", do artigo 217, inciso II, da Lei 8.112/1990 (Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União), dentre as quais se enquadra a hipótese do menor sob guarda.
Segundo o TCU, também não há direito adquirido no caso, porque “não há aquisição de direito a regime jurídico já revogado por legislação ulterior”.
O neto do servidor, autor do MS, afirmou ser beneficiário, desde 2008, da pensão temporária instituída pela morte do seu avô, que detinha sua guarda legal e de quem dependia economicamente. Narrou que somente após três anos e oito meses de concessão da pensão, o TCU determinou a suspensão do pagamento, tempo que “teria consolidado afirmativamente a expectativa de permanecer recebendo o benefício”.
Alegou que a corte de contas interpretou de forma equivocada o artigo 5º da Lei 9.717/1998, pois tal norma não tem o poder de revogar dispositivo constitucional que garante direito previdenciário a criança e adolescente. Sustentou ainda que a decisão não foi precedida do contraditório e da ampla defesa. Assim, pediu a concessão da segurança para “restabelecer em definitivo a pensão anteriormente concedida, com sua manutenção até a data em que completar 21 anos”.
Em 2012, a ministra deferiu liminar para suspender os efeitos do acórdão do TCU.
Decisão
A ministra Cármen Lúcia afirmou que a interpretação dada pelo TCU ao artigo 5º da Lei 9.717/1998, admitindo a vinculação dos critérios de concessão de benefícios nos regimes próprios àqueles estimulados no RGPS, contraria o artigo 24, inciso XII, da Constituição da República. Tal dispositivo prevê a competência concorrente da União, dos estados e do Distrito Federal para legislar sobre previdência social, proteção e defesa da saúde.
Lembrou que a vinculação estabelecida pelo TCU permitiria que lei de iniciativa parlamentar para alterar regra do RGPS repercutisse nos regimes próprios dos servidores públicos, violando a reserva de iniciativa legislativa do Poder Executivo. Assim, segundo a ministra, o entendimento afronta também o princípio constitucional da separação de poderes.
“Considerada a diversidade da natureza das normas previdenciárias em discussão, não se há de cogitar de revogação expressa de uma lei pela outra, tampouco em derrogação tácita”, destacou.
A relatora ressaltou também que, ao excluir dos beneficiários pessoa em comprovada situação de dependência econômica, a decisão da corte de contas “divorcia-se do sistema de proteção estabelecido constitucionalmente, afrontando, ainda, os princípios da vedação do retrocesso social e da proteção ao hipossuficiente”. Mais grave se a exclusão for de criança ou adolescente, enfatizou a ministra, já que contam com proteção especial do Estado.
Ela concluiu que se mantém válido o fundamento legal utilizado na concessão da pensão do autor do MS e ressaltou que o entendimento das duas Turmas do STF é nesse sentido. Assim, com base na jurisprudência da Corte, concedeu o mandado de segurança para anular o acórdão impugnado.