Para a revisão de benefício pago por entidade de previdência privada, segundo critérios diversos dos pactuados no contrato, é imprescindível a realização de perícia, como forma de resguardar o equilíbrio financeiro e atuarial do plano contratado.
De acordo com o ministro Luis Felipe Salomão, esse equilíbrio tem por objetivo resguardar o patrimônio comum dos participantes, para que as reservas constituídas possam efetivamente assegurar os benefícios contratados em um período de longo prazo e prevenir ou mitigar prejuízos aos beneficiários do plano.
O entendimento foi proferido pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento de recurso interposto pela Fundação Banrisul de Seguridade Social, que se recusou a pagar diferenças de complementação de aposentadoria a um de seus segurados, alegando que não havia receita para tal pretensão.
Manter o padrão
O segurado ajuizou ação com o intuito de receber as diferenças de complementação de sua aposentadoria, pois alegou que, conforme o regulamento do plano, era assegurada a manutenção do benefício em padrões equivalentes aos recebidos pelos trabalhadores que ainda estavam em atividade.
Sustentou que o regulamento previa o pagamento, por parte da seguradora, da diferença entre o salário real de benefícios atualizado e o valor efetivamente pago pelo INSS. Argumentou que o benefício suplementar de previdência privada era regido pelas normas em vigor na data de sua admissão nos quadros funcionais da patrocinadora, devendo ser observadas as alterações posteriores, desde que mais favoráveis aos segurados.
Por isso, não concordava com a redução sofrida em seu benefício após as modificações estabelecidas pela Lei 8.876/99, que previam a aplicação do fator previdenciário do INSS no cálculo da aposentadoria.
Produção de perícia
A seguradora requereu a produção de prova pericial para tentar demonstrar que não havia fonte de custeio para o pagamento pretendido pelo segurado. O juízo de primeira instância permitiu que a perícia fosse feita. Entretanto, ao julgar recurso do segurado, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) entendeu ser desnecessária a prova pericial no caso, pois se tratava de matéria exclusivamente de direito.
Inconformada, a entidade previdenciária apresentou recurso ao STJ. Afirmou que o acórdão restringiu seu direito de demonstrar os fatos alegados e que a prova era imprescindível para a comprovação de que não havia receita para o pagamento almejado pelo segurado.
De acordo com os ministros da Quarta Turma, “o fundo formado pelo plano de benefícios pertence à coletividade de participantes, sendo apenas gerido pela entidade de previdência privada, com objetivo de constituir reservas que possam efetivamente assegurar os benefícios contratados num período de longo prazo”.
O artigo 202 da Constituição Federal estabelece que o regime de previdência privada possui caráter complementar e é de adesão facultativa, organizado de maneira autônoma em relação ao Regime Geral de Previdência Social, funcionando – conforme dispõe a Lei Complementar 109/01 – “basicamente como instrumento de poupança de longo prazo”, segundo o ministro Salomão, relator do recurso.
O ministro observou que, embora as entidades de previdência privada administrem os planos, o patrimônio comum não pertence a elas, pois é constituído com o objetivo de assegurar o custeio das despesas comuns.
Lesão aos demais
Por isso, “a concessão de verba não prevista no contrato de adesão, em prejuízo de terceiros, é providência vedada pelos artigos 3º, I, da Lei 6.435/77 e 3º, VI, da Lei Complementar 109/01, que impõem ao estado proteger os interesses dos participantes e assistidos dos planos de benefícios”, afirmou o ministro.
Para ele, a legislação deixa nítido o dever do estado de proteger os interesses dos participantes e beneficiários dos planos, garantindo a irredutibilidade do benefício, mas não a concessão de verbas não contempladas no regulamento, o que poderia trazer prejuízo ao equilíbrio atuarial.
Segundo Salomão, como a base do regime de previdência privada está no sistema de capitalização e na solidariedade entre a coletividade integrante do plano de benefícios, “a eventual inobservância do equilíbrio atuarial, em contrariedade ao pactuado, colocará em risco o interesse de terceiros”.
Se o Judiciário defere ao assistido mais do que o previsto no regulamento do plano, explicou o ministro, isso “resultará em lesão aos demais beneficiários e participantes”.
Em precedente citado no voto do relator, a ministra Isabel Gallotti afirma que o sistema de previdência complementar brasileiro não foi concebido para instituir a paridade de vencimentos entre empregados ativos e aposentados.
Manutenção do equilíbrio
Conforme explica Gallotti, a finalidade é constituir reservas financeiras, a partir de contribuições dos filiados, destinadas a assegurar o pagamento dos benefícios oferecidos e, “no caso da complementação de aposentadoria, proporcionar ao trabalhador aposentado padrão de vida próximo ao que desfrutava quando em atividade, com observância, todavia, dos parâmetros atuariais estabelecidos nos planos de custeio, com a finalidade de manutenção do equilíbrio econômico e financeiro” (REsp 1.207.071).
Com esse entendimento, a Quarta Turma deferiu a produção da prova pericial atuarial, restabelecendo a decisão do primeiro grau.