Olhar Jurídico

Sexta-feira, 03 de maio de 2024

Notícias | Constitucional

MPF contribui para resgate histórico sobre violações de direitos humanos na ditadura

A atuação do Ministério Público Federal (MPF) sobre violações de direitos humanos ocorridas durante a ditadura militar e sujeitos à responsabilização cível e criminal foi tema de mesa na tarde de ontem durante o Encontro Internacional de Membros do Ministério Público sobre Justiça de Transição. O encontro faz parte do congresso internacional “50 anos do golpe: a nova agenda da Justiça de Transição no Brasil”, promovido pelo Ministério Público Federal e pelo Ministério da Justiça, que acontece até sexta-feira, 14 de março, na Universidade Católica de Pernambuco, em Recife.

Mediada pelo procurador federal dos direitos do cidadão, Aurélio Rios, a mesa reuniu membros de todos os grupos de trabalho relacionados ao tema atualmente em andamento no MPF. Eles detalharam as frentes de atuação do Ministério Público Federal e apresentaram os resultados já alcançados. Em comum, o trabalho minucioso de resgate histórico e de preservação da memória para buscar a punição civil ou criminal dos agentes da repressão, para apurar violação de direitos indígenas ou mesmo para garantir a busca e identificação de desaparecidos políticos.

Muito dessa atuação busca dar cumprimento à sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos que, em 2010, estabeleceu o dever do Estado brasileiro de promover a persecução penal dos crimes cometidos no período ditatorial, que agridem os direitos humanos universais, entre outras obrigações.

Mas o trabalho do MPF vai além das determinações da sentença. O GT Memória e Verdade, da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, está incentivando o tombamento histórico de edifícios onde funcionaram órgãos da repressão como forma de incentivar a preservação da memória. Tem buscado, também, a alteração de nomes de logradouros públicos que fazem homenagem a agentes da repressão. É o caso da Ponte Rio-Niterói, que oficialmente tem o nome de Costa e Silva, ex-presidente responsável pela assinatura do AI-5. De acordo com o procurador regional da República Marlon Weichert, o MPF defende que a escolha de um novo nome conte com a participação da sociedade. “A tese que foi adotada, e tem sido assim defendida pelo Ministério Público Federal, não é que a nova designação deva ser pensada ou formulada em escaninhos gabinetes. O que a gente gosta desse processo é que haja uma discussão pública do porque se retirar o nome de um perpetrador, uma discussão para que a sociedade se apodere da importância de não manter a memória de quem atuou contra a própria sociedade”, explicou.

Recentemente, foi criado na 6ª Câmara de Coordenação e Revisão um grupo de trabalho para tratar das violações de direitos indígenas ocorridos naquele período. A procuradora da República Maria Capucci esclareceu aos presentes que o GT vai atuar em quatro frentes: apuração das violações aos direitos do Povo Waimiri-Atroari em razão da construção da BR-174, no Amazonas; análise das atividades desenvolvidas durante o funcionamento do “Reformatório Krenak”, na Região Sudeste; apuração das atividades da “Guarda Rural Indígena - GRI”, em Minas Gerais; e apuração das violações aos direitos do Povo Guarani em razão da construção da Hidrelétrica de Itaipu, no Oeste do Paraná.

E mesmo com atuação criminal, o GT Justiça de Transição, da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, também tem contribuído largamente com esse trabalho de resgate histórico. Toda a investigação nos quase 200 procedimentos em andamento está sendo realizada pelo próprio MPF. O resultado desse trabalho é o inédito mapeamento das relações hierárquicas nos órgãos de repressão, com a identificação dos agentes e a dos processos de trabalho internos. “Nós descubrimos materiais inéditos, que nunca haviam sido revelados antes nos arquivos públicos. São milhares de documentos, fontes primárias para uma pesquisa histórica”, relatou o procurador da República Sérgio Suiama. Além disso, a oitiva de testemunhas é gravada e muitas delas são disponibilizadas na internet para que sirva de material de pesquisa para estudiosos e historiadores. Antonio Cabral, procurador da República que coordena do GT Justiça de Transição da Procuradoria da República no Rio de Janeiro e que atou na denúncia recentemente apresentada sobre o caso Rio Centro, reforçou a importância desse resultado de investigação ao detalhar aos presentes como foi feita a pesquisa e a coleta de documentos e provas para embasar a denúncia.

Outro banco de consultas importante, desenvolvido pelo MPF em parceria com entidades da sociedade civil e órgãos públicos, é o site Brasil Nunca Mais Digital. No site estão reunidas cópias dos processos judiciais que tramitaram no Superior Tribunal Militar, movidos contra presos políticos.

Justiça de Transição na América Latina – Também na tarde de ontem, membros dos Ministérios Públicos da Argentina, Uruguai e Guatemala compartilharam as experiências de seus países na persecução de crimes cometidos durantes regimes totalitários. Orlando López, procurador de direitos humanos da Guatemala, relatou que já há casos de condenação em seu país com sentenças que chegam a 7,7 mil anos de prisão. Isso porque trata-se da condenação de acusados do cometimento de 256 assassinatos, com penas para cada uma das mortes. Já a procuradora Ana Tellechea, do Uruguai, trouxe os desafios legais enfrentados em seu país para a punição destes crimes, especialmente diante da Ley de Caducidad, uma lei de 1986 que prevê a prescrição do exercício da pretensão punitiva do Estado a respeito dos delitos cometidos até 1º de março de 1985 por agentes estatais. Há uma grande discussão no país em torno da constitucionalidade desta lei. O procurador argentino Jorge Eduardo Auat, por sua vez, tratou do tema sob uma perspectiva histórica e trouxe uma reflexão sobre como conviver com instituições que sobreviveram ao regime e que permeiam o aparato estatal até os dias atuais.

O Congresso Internacional “50 anos do Golpe: a nova agenda da Justiça de Transição no Brasil” é realizado pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, Universidade Católica de Pernambuco, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, Grupo de Estudos sobre Internacionalização do Direito e Justiça de Transição, International Coalition of Sites of Conscience, Comissão Brasileira de Justiça e Paz da CNBB, União Nacional dos Estudantes e Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (GAJOP).
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