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Decreto 8.243/2014 e seus vícios incontornáveis de inconstitucionalidade
Autor: Felipe Amorim Reis
06 Ago 2014 - 09:47
No dia 23 de maio do corrente ano, o Poder Executivo Federal publicou o Decreto 8.243 prevendo a criação da Política Nacional de Participação Social no âmbito Administração Pública Federal.
O aludido Decreto Federal prevê em seu suporte físico a criação de conselhos e fóruns sociais na administração pública federal e da sociedade civil organizada, vejamos:
Art. 1º Fica instituída a Política Nacional de Participação Social - PNPS, com o objetivo de fortalecer e articular os mecanismos e as instâncias democráticas de diálogo e a atuação conjunta entre a administração pública federal e a sociedade civil.
Parágrafo único. Na formulação, na execução, no monitoramento e na avaliação de programas e políticas públicas e no aprimoramento da gestão pública serão considerados os objetivos e as diretrizes da PNPS.
O artigo 2º caput e seus incisos conceituam: “sociedade civil; conselho de políticas públicas; comissão de políticas públicas - conferência nacional; ouvidoria pública federal; - mesa de diálogo; fórum interconselhos”.
Os direitos fundamentais e sociais ganharam força com a Constituição de 1988 ao instituir o Estado Democrático de Direito e estabelecer regras e princípios constitucionais de forma inédita na história constitucional brasileira.
Desta forma, a Constituição Federal assegura, como regra inexorável, a participação social, por meio do sufrágio universal para escolha de seus representantes no Parlamento e no Poder Executivo dos Entes da Federação.
Nestes termos, para o Professor Ingo Wolfgang Sarlet[1], os direitos sociais plasmados na Constituição Federal são considerados deveres prestacionais, em que o Estado presta ao cidadão, neste sentido:
“Vinculados à concepção de que ao Estado incumbe, além da não intervenção na esfera de liberdade pessoal dos indivíduos, assegurada pelos direitos de defesa (ou função defensiva dos direitos fundamentais), a tarefa de colocar à disposição os meios materiais e implementar as condições fáticas que possibilitem o efetivo exercício das liberdades fundamentais, os direitos fundamentais a prestações objetivam, em última análise, a garantia não apenas da liberdade-autonomia (liberdade perante o Estado), mas também da liberdade por intermédio do Estado, partindo da premissa de que o indivíduo, no que concerne à conquista e manutenção de sua liberdade, depende em muito de uma postura ativa dos poderes públicos”
Logo, a Constituição da República de 1988, como regra basilar de todo sistema jurídico brasileiro, estabelece logo no parágrafo único do artigo 1º[2] que,
“Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
Com efeito, com a promulgação da Constituição Federal de 1988 o Parlamento brasileiro alcançou o status de legítimo representante do povo e clamor popular brasileiro.
Ademais, ainda que o Decreto Federal exarado pela Presidente da República tenha efetivamente força de lei, é preciso demonstrar que, consoante os preceitos constitucionais petrificados, possui incontornável vício de inconstitucionalidade.
Neste sentido, a Constituição Federal admite o Presidente da República dispor por meio de Decreto sobre a organização e funcionamento da administração pública desde que isso não implique aumento de gastos ao erário público
O artigo 84 da Constituição Federal é claro ao dispor o seguinte:
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: (Ec n. 23/99 e EC n. 32/2001)
(...)
VI – dispor, mediante decreto, sobre:
Organização e funcionamento da administração pública federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos;
(...)
A doutrina administrativa brasileira classifica como Decreto Autônomo a produção de atos normativos por determinados órgãos com fundamento na Constituição da República, dotados de natureza autônoma e possui o mesmo patamar hierárquico normativo das leis promulgadas.
Neste tear interpretativo, o Professor José dos Santos Carvalho[3] Filho preleciona no sentido de que:
“É importante observar que só se considera poder regulamentar típico a atuação administrativa de complementação de leis, ou atos análogos a elas. Daí seu caráter derivado. Há alguns casos, todavia, em que a Constituição autoriza determinados órgãos a produzirem atos que, tanto como as leis, emanam diretamente da Carta e têm natureza primária; inexiste qualquer ato de natureza legislativa que se situe em patamar entre a Constituição e o ato de regulamentação, como ocorre com o poder regulamentar. Serve como exemplo o art. 103-B, da CF, inserido pela E.C. 45⁄2004, que, instituindo o Conselho Nacional de Justiça, conferiu a esse órgão atribuição para‘expedir atos regulamentares no âmbito de sua competência, ou recomendar providências’. A despeito dos termos da expressão (“atos regulamentares”), tais atos não se enquadram no âmbito do verdadeiro poder regulamentar; como terão por escopo regulamentar a própria Constituição, serão eles autônomos e de natureza primária, situando-se no mesmo patamar em que se alojam as leis dentro do sistema de hierárquica normativa”.
Entendo que este Decreto surge na contrapartida dos preceitos e sistema constitucional em vigor, uma vez que o próprio conceito de democracia é justamente respeitar as regras constitucionais do sistema posto e promulgado por representantes eleitos democraticamente pelo povo.
Por outro lado, é clarividente que o aludido Decreto fere de morte a supremacia da Constituição Federal 1988 e os princípios elencados no art. 37 da Carta Magna, tais como: da legalidade, da eficiência, da impessoalidade e da moralidade.
Portanto, tendo em vista o período eleitoral que se aproxima, entendo que o Executivo Federal, tenta por meio do Decreto publicado, silenciar a voz popular e clamor social da população, em uma clara demonstração de ditadura disfarçada de democracia.
A guisa do exposto, partindo da premissa constitucional de que a representação popular é exercida pelo Parlamento brasileiro, conclui-se que o Decreto 8.2434/2014 se evidencia em total descompasso com o sistema constitucional em vigor, pois, à luz do parágrafo único do art. 1º da Carta Magna, todo o poder constituído emana do povo, que será exercido por representantes eleitos democraticamente.
Felipe Amorim Reis é advogado, especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários, pós-graduado em Direito Constitucional pela Fundação Escola Superior do Ministério Público de Mato Grosso e Presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB-MT.