Olhar Jurídico

Quinta-feira, 02 de maio de 2024

Artigos

Coutinho: se todos fossem iguais a você

Morreu não o último, mas o primeiro jornalista investigativo mato-grossense. Marcos Coutinho era meu amigo e, para mim, trata-se de um privilégio. Desses que temos quando cruzamos com um gênio, onde já na velhice podemos citar que convivemos com um homem assim.

Coutinho promoveu o maior enfrentamento jornalístico da história de Mato Grosso – a cobertura corajosa da Operação Arca de Noé, quando todos tinham medo de mencionar o assunto. Também denunciou autoridades, foi processado, pressionado, constrangido, mas sobreviveu mais forte, emprestando ao Olhar Direto a combatividade e a credibilidade conquistadas.

Coutinho era um amante do jazz. Alucinado pela música, a realização consistia em tomar um bom vinho (mas podia ser ruim, se a companhia fosse boa) e dedilhar os violões que comprava. Endividava-se por violões. Um investimento inexplicável, já que o jornalista não era um músico profissional. O que importava, todavia, era fazer o que amava e ponto final. Era mesmo como o próprio jazz: alguns não entendiam as notas dissonantes, os improvisos, as crônicas melodias, a melancolia, a alegria eufórica e o barulho; outros admiravam a genialidade, a harmonia, a interpretação e as referências clássicas e contemporâneas de Coutinho.

Esse homem brilhante era um carioca em São Paulo, um paulista no Rio de Janeiro, e um poliglota em Cuiabá. De fato, a expansiva personalidade do meu amigo não cabia nas fronteiras da comarca. Marcos Coutinho buscava alegria, beleza, realização pessoal. Perdia-se frequentemente para se encontrar novamente na maior viagem da sua vida – a mulher e os três filhos. Grande família. A esposa Izabel, dura na queda, compreendia a missão de casar com um homem que não cabia numa moldura. Conviver com alguém tão especial, tão único e insubstituível deve causar uma dor enorme no momento da perda. Os três filhos, já crescidos, felizmente tiveram a chance de conhecer o viés genial do pai, legado que só será entendido completamente com a maturidade.

Recordo que Coutinho usava o termo “canalha” ou “canalhocrata” com a maior intimidade, para criticar alguma autoridade ou para elogiar os amigos, abraçando-os com vivacidade. Era a sutil diferença no tom de voz com o qual o jornalista se dirigia às pessoas que as distinguiam pela inteligência de saber interpretá-lo. É claro que Marcos incomodou muita gente. Exclusivamente por dizer a verdade. Dizia a verdade nua e crua, não de forma pessoal a fim de derrubar a moral de ninguém, mas com um jeito corajoso que era típico. Não negociava notícias e, por isso, não enriqueceu com chantagem. Não suportava a burrice, a brutalidade, a mediocridade, a pequenez de espírito – estava sempre pronto a ajudar os amigos.

Pessoalmente, Coutinho me ajudou muito. Num tempo em que os profissionais do direito “só falavam nos autos”, percebi que a repercussão jornalística de casos relevantes importava em esclarecimento e, por meio de uma leal parceria, o grupo Olhar Direto me abriu muitas portas, fazendo-me conhecido. Percebendo esse novo paradigma – a cobertura jornalística do universo jurídico – fundou o Olhar Jurídico. Das relações meramente protocolares, estreitamos a amizade. Coutinho esteve na inauguração do meu escritório e, após, nos eventos que realizei. Frequentou minha casa e o meu coração, merecendo todo o respeito possível, pessoal e profissionalmente.

Coutinho amava o que era bom. Conhecia a música, a letra, a história da composição. Era um arquivo vivo, de mente prodigiosa. E, assim, cantando Vinícius, dele me despeço: “Vai tua vida, teu caminho é de paz e amor, a tua vida, é uma linda canção de amor... Se todos fossem iguais a você, que maravilha viver”. Adeus, Coutinho.

Eduardo Mahon é advogado.


Comentários no Facebook

Sitevip Internet