Olhar Jurídico

Segunda-feira, 29 de abril de 2024

Artigos

Aborto: direito ao próprio corpo?

Março é o mês da mulher, sendo no dia 08 que se comemora o dia internacional da mulher, conforme estabelecido pela ONU em 1975. Momento em que se aproveita para refletir sobre a condição da mulher, no tempo e no espaço, tanto na perspectiva da sua individualidade, quanto na da sua inserção na sociedade. A escolha da data não foi por acaso, mas, sim, porque no mesmo dia do ano de 1857, operárias de uma fábrica de tecidos situada em Nova Iorque se organizaram e promoveram uma greve, em defesa de condições mais dignas de trabalho.

Contudo, o motivo determinante da eleição desse dia, e não do dia em que as mulheres conquistaram o direito de votarem e de serem votadas (no Brasil, em 24 de fevereiro de 1932), não se restringe apenas ao admirável ato de manifestação em si. Ele tem muito mais haver com a repugnante reação ao ato. Pois, o manifesto foi reprimido com absoluta violência, tendo cerca de 130 tecelãs sido confinadas e incineradas dentro da fábrica, morrendo todas carbonizadas.

Após render minha solidariedade às saudosas operárias covardemente assassinadas, bem como apoio a várias bandeiras hasteadas hodiernamente pelo movimento feminista, pretendo opinar sobre o aborto.

Há casos em que a legislação elide a responsabilidade criminal da mulher que realiza o aborto, tanto no caso da gravidez implicar em riscos de morte à mãe, quanto na hipótese de concepção mediante grave violência e contra a vontade da gestante (estupro).

Porém, existe um forte movimento, internacional, que propõe a descriminação do aborto em outros casos, chegando alguns setores a defender a plenitude dessa legalização a todas as situações, sob o pretexto ideológico do direito que a mulher tem sobre o seu próprio corpo.

O feto intrauterino é extensão do corpo da mulher, como se um órgão ou membro qualquer fosse? A mãe e o filho são uma única vida, ou duas distintas? Qual é o direito que qualquer um de nós tem de tirar a vida do próximo, sobretudo de alguém que não nos fez mal algum e que não tem nenhuma condição de se defender? É proporcional aceitar um ato tão drástico por suposta falta de planejamento ou de condições para criar?

Sim, há diversas variáveis vinculadas à pretensão de se abortar, como: repressão familiar; despreparo para cuidar; falta de condições para criar; imprevisibilidade de engravidar; preconceito social; etc.. Mas, além da responsabilidade que cada qual tem sobre seus atos, principalmente em época de vários métodos contraceptivos, prefiro pensar na ideia de chamar à ordem o Estado e a própria sociedade para educar e conscientizar, bem como para promover políticas públicas para auxiliar a mãe a criar e sustentar, como: universalização de vagas em creches; programas de distribuição de renda; acompanhamento psicossocial; prioridade em programas habitacionais; etc.. Do que concordar com o atalho de matar.

Sinceramente, sempre defendi a igualdade de tratamento entre homens e mulheres, bem como sempre fui contra a violência doméstica etc.. Agora, não encontrei um argumento suficientemente forte para me convencer de que qualquer um de nós tem o direito de negar a alguém os direitos mais fundamentais de todos, que são o início, o meio e o fim dos direitos humanos: o direito fundamental de acesso e manutenção digna da vida.


Paulo Lemos – Ouvidor-Geral da Defensoria Pública do Estado de Mato

Comentários no Facebook

Sitevip Internet