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Domingo, 28 de abril de 2024

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Verbas indenizatórias ou remuneratórias?

Paulo Lemos/Arquivo Pessoal

Hoje, além da impunidade dos crimes de colarinho branco, da corrupção de prioridades, do obscurantismo, autoritarismo, palacianismo e neopatrimonialismo, há um tema especifico que precisa ser debatido e enfrentado pela sociedade, o das famigeradas verbas indenizatórias (auxílios moradia, transporte, obra técnica, verba de gabinete etc.), manifestadamente inconstitucionais e imorais.

Primeiro, porque, em muitos casos, não é exigido dos beneficiários que comprovem as despesas realizadas de qualquer centavo que seja do dinheiro recebido. Assim, independente do beneficiário ter casa própria e carro oficial à disposição, e ainda receber diárias quando faz alguma viagem oficial, ele recebe o dinheiro respectivo às verbas indenizatórias na sua conta, mensalmente, sem demonstrar o destino dado a ele.

Segundo, porque, nos mesmos casos, essas verbas indenizatórias têm caráter permanente, independente de ocorrer eventos concretos e diretamente relacionados ao exercício da respectiva função pública, que possam justificar o ressarcimento de alguma despesa extraordinária eventualmente realizada.

Na verdade, não há dúvida de que essas verbas não são indenizatórias, mas, sim, remuneratórias. Daí, a situação fica mais grave ainda. Pois, se de um lado os beneficiários não carecem prestar contas dos vultosos recursos auferidos via tais verbas "indenizatórias", mês a mês e ano a ano, de outro eles também não recolhem Imposto de Renda e nem arcam com a contribuição da Previdência Social sobre essas verbas. Em alguns casos, essas verbas "indenizatórias" se prestam até mesmo para burlar o subteto constitucional de algumas carreiras públicas, tendo em vista os altíssimos subsídios que já percebem.

Em tempo, essa anomalia jurídica é responsável por sangrar milhões e milhões de reais dos cofres públicos, que poderiam estar sendo aplicados na ampliação do quadro de membros e servidores e na universalização dos serviços das instituições.

E o mais grave é que essas vantagens indevidas são utilizadas, às vezes, internamente, como moeda de troca em candidaturas aos postos de gestores, definhando a autoridade moral e cegando a capacidade crítica dos beneficiários, além de inverter completamente as prioridades que deveriam nortear a política dessas instituições.

Porquanto, afora esse lamentável quadro colidir frontalmente com o §4º do artigo 39 da Constituição Federal, que criou o subsídio como forma única de remuneração dos agentes públicos, e com o parágrafo único do artigo 70 da Carta Magna, que dispõe sobre o dever de prestar contas do uso de recursos públicos, ele também confronta os princípios mais comezinhos da administração pública, previstos no artigo 37 da Constituição Federal de 1988, os da moralidade e o da eficiência.

Enquanto a sociedade estiver cobrando, criticando e se colocando à disposição para auxiliar, é porque ainda há esperança. Contudo, quando a sociedade parar de clamar e gritar, é porque ou chegamos aos fins dos tempos ou porque ela vai promover o autogoverno popular e o fim das instituições públicas.

Paulo Lemos – Ouvidor-Geral da Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso

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