Olhar Jurídico

Segunda-feira, 29 de abril de 2024

Artigos

Estado, sociedade e violência

Propus-me a escrever estas linhas a partir do lamentável evento ocorrido na semana passada entre, de um lado, a polícia militar, sobretudo a ROTAM, e, doutro lado, estudantes, trabalhadores, jornalistas e advogados.

Contudo, tendo em vista a miríade de artigos, matérias e notas de repúdio já publicadas, às quais me associo, pretendo me concentrar não no caso concreto em si, mas, sim, nas possíveis razões que alimentam e retroalimentam a lógica, muitas vezes, opressora e repressora do Estado.

Isso não é de hoje. Para citar uma experiência mais próxima de nós, no tempo e no espaço, vale destacar a traumática experiência do regime ditatorial instaurado pelo golpe militar em abril de 1964 no Brasil, sendo que um dos primeiros atos desse governo foi botar fogo e destruir a sede da UNE no Aterro do Flamengo no Rio de Janeiro/RJ. Além disso, com a edição do famigerado AI-5, em 1968, esse governo intensificou a censura sobre os meios de comunicação, através do Conselho Superior de Censura, tal como usurpou os direitos de acesso à justiça, de defesa e a se ter direitos, por exemplo, por intermédio da extinção do Habeas Corpus.

É importante frisar que, como se sabe, à época, parte da sociedade deu sustentação ao golpe militar e à derrubada do governo democraticamente eleito de João Goulart.

E hoje, nós, a sociedade, temos algo haver com os atos de violência do Estado?

Seguindo a teoria de Foucault, desenvolvida em “Microfísica do Poder”, a sociedade não só tem haver com eles como os sustenta sempre que promove: assédio moral ou sexual nas relações laborais; salário mínimo insuficiente para subsistência do trabalhador e sua família; trabalho escravo; violência doméstica; abandono material e afetivo de filhos; alienação parental; postura passiva frente a gastos públicos supérfluos ou criminosos, enquanto pessoas morrem por negativa de atendimento hospitalar; postura passiva frente ao quadro de acúmulo de terras e meios de produção, enquanto muitos não têm trabalho digno ou onde morar; preconceito racial; precariedade do sistema público de acesso à justiça e de defesa dos empobrecidos; tratamento desumano aos presos; desassistência aos moradores de rua; impunidade e reeleição de corruptos; justiça e direito que privilegiam as elites; extorsão e manipulação de fiéis religiosos; dinheiro acima da vida...

Portanto, para ter um Estado diferente, precisa haver também uma sociedade diferente, menos hipócrita e mais verdadeira, menos egoísta e mais altruísta, menos passiva e mais ativa, dizendo não a toda forma de violência e sim à dignidade da pessoa humana. Ou então, seja na política, economia ou religião, outra coisa não ocorrerá do que guerras, até “santas”, camufladas pelo manto de um contrato social não assinado, de determinantes econômicos falsificados ou de dogmas profanos tidos como revelados pelos anjos, que jamais estiveram em sintonia com as raízes da criação, com as condições da natureza e com a vontade da providência divina de Deus.


Paulo Lemos – Ouvidor-Geral da Defensoria Pública de Mato Grosso

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