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Segunda-feira, 29 de abril de 2024

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Caso Mizael/Mércia: culpado ou inocente?

Autor: Luiz Flávio Gomes e Alice Bianchini

11 Mar 2013 - 08:30

Segue uma síntese dos fatos noticiados. As interrogações são temas que explicaremos ao longo dos comentários a serem feitos em tempo real, durante todo o julgamento, no portal Terra.

Mércia desapareceu no dia 23.05.10 (um domingo, a partir de 18.30h). Mizael diz que nesse horário estava com uma garota de programa (o álibi deve ser provado?). Pelo rastreador do carro de Mizael, a polícia constatou que das 18h40 às 22h38, ele permaneceu estacionado em frente ao Hospital Geral de Guarulhos, em uma rua a menos de cinco minutos da casa da avó de Mércia (último local onde a advogada foi vista) (seria isso um primeiro indício de autoria?).

O dispositivo (rastreador) não foi apreendido, tampouco periciado pela Polícia Científica (falha investigativa?). Após denúncia anônima, no dia 10.06.10, o pai de Mércia obtém auxílio do Corpo de Bombeiros de Atibaia e realiza buscas na represa de Nazaré Paulista, no interior de São Paulo. Por volta das 15h, mergulhadores localizam o carro da advogada submerso a seis metros de profundidade. Os pertences de Mércia, como o celular e a bolsa, foram encontrados no interior do veículo (acidente ou assassinato?).

No dia seguinte, por volta das 9h45, um pescador localiza o cadáver de Mércia Nakashima, que se encontrava boiando na represa de Nazaré Paulista (esse foi o local da morte. Mas o STJ mandou processar o caso em Guarulhos. Pode?).

No dia 09.06.10, Evandro foi capturado na casa de parentes no município de Canindé do São Francisco, interior do Estado de Sergipe (fugiu ou foi passear?).

Nas dependências policiais da cidade, o vigia teria afirmado que o ex-namorado de Mércia vinha planejando executar a advogada desde o início de maio por se sentir rejeitado (Evandro participou do crime?).

No dia 20.07.10 a polícia afirma ter novas provas contra o policial aposentado, dizendo que ele ligou 16 vezes para o vigia Evandro no dia em que Mércia sumiu.

O delegado que comandou o inquérito policial, Antonio Assunção de Olim, declarou que a polícia descobriu um terceiro celular pertencente a ele. O aparelho, que não havia sido declarado por Mizael, foi utilizado para combinar com o vigia Evandro Bezerra da Silva de que forma seria o crime. “No dia 23 de maio, ele falou 16 vezes com Evandro neste aparelho”, afimou Olim.

Também no dia 20 é divulgado o laudo necroscópico de Mércia. Segundo a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, o exame revelou que a advogada recebeu um tiro que atravessou o braço esquerdo e atingiu o maxilar.

Mas os médicos do Instituto Médico Legal (IML) de São Paulo constataram que essa não foi a causa da morte. Mércia Nakashima morreu afogada na represa de Nazaré Paulista, região metropolitana de São Paulo (afogamento é asfixia).

Um outro elemento de convicção colhido contra Mizael é a conclusão pericial no sentido de que a porção de terra encontrada em um par de sapatos do ex-policial militar é totalmente compatível com a da represa onde o corpo de Mércia foi encontrado. Portanto, ao contrário do que alega Mizael, trata-se de um forte indício de que ele esteve no local onde a ex-namorada foi morta (Mizael estava na cena do crime?).

10 de janeiro de 2013 – O juiz presidente do Tribunal do Júri (Dr. Leandro Jorge Bittencourt Cano) cinde o julgamento dos réus: “Tendo em vista que o corréu Evandro Bezerra Silva irá sustentar a última versão apresentada no Departamento de Homicídios, mormente no sentido de acusar o corréu Mizael Bispo de Souza, salutar a cisão dos julgamentos, a fim de que seja evitado o excesso acusatório” (foi acertada a decisão do juiz?).

Acusação

Sustentará a tese de que Mizael é o autor (mentor e executor) do homicídio doloso triplamente qualificado (CP, art. 212, I – por motivo torpe; III - com emprego de asfixia ou meio cruel; IV - recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido).

O crime foi premeditado, e Mizael matou a advogada por ciúme (crime passional?), bem como por não se conformar com o término da relação (motivo torpe). O delito contou com a participação do vigia Evandro Bezerra da Silva (Como?).

Defesa

Mizael: manteve as versões que foram apresentadas das outras vezes em sede policial e na primeira fase do júri: negou as acusações imputadas, asseverando que não esteve com Mércia no dia de seu desaparecimento. Sustenta como álibi que foi visitar a filha e um irmão, com quem almoçou e, depois, saiu com uma garota de programa. Afirmou que não era amigo do vigia Evandro da Silva, e que eles apenas mantinham relações profissionais.

Evandro: mudou de versão diversas vezes. Na última apresentada, atribuiu a autoria do homicídio a Mizael, dizendo que, a pedido deste, foi buscá-lo na represa em que Mércia foi morta, pois o ex-policial militar teria ido a uma festa no local. Portanto, afirma que não sabia sobre o assassinato. Ante a colidência de defesas, o julgamento foi cindido por decisão do juiz presidente do Tribunal do Júri de Guarulhos.

A acusação pelo crime de ocultação de cadáver foi rejeitada quando do recebimento da denúncia.

Qualificadoras (trecho da decisão de pronúncia):

“(...) Quanto às qualificadoras, no caso em questão, consistentes na torpeza (insatisfação com o rompimento do relacionamento amoroso), meio cruel (disparos em regiões não vitais do corpo humano, mormente com a nítida intenção de provocar na vítima sofrimento intenso e desnecessário, além da asfixia por afogamento) e no recurso que dificultou ou impossibilitou a defesa das vítimas (dissimulação), em tese, não se mostram manifestamente improcedentes ou descabidas.”

Basicamente, os indícios suficientes de autoria e prova da materialidade estão evidenciados pelas provas oral e documental.

De acordo com a decisão de pronúncia, em síntese, eis o acervo probatório que a respaldou:

1) relacionamento conturbado entre Mizael e Mércia em seu término (irmãos da ofendida e e-mails - fls. 11/16 dos autos apartados);

2) Mizael foi visto entrando no veículo de Mércia momentos antes do evento fatídico (testemunha Bruno);

3) os encontros entre Mizael e Evandro no posto de gasolina eram esporádicos, mas passaram a ser rotineiros nas proximidades do dia do crime (testemunha Jurandi);

4) três confissões extrajudiciais de Evandro com delação do comparsa, sendo uma delas filmada, ao passo que as outras colhidas na presença de um advogado;

5) não comprovação de sevícias em Evandro;

6) laudo sobre a reprodução simulada do crime com base no depoimento da testemunha sigilosa, a qual também foi inquirida sob o crivo do contraditório, esclarecendo a sua dinâmica (fls. 1611/1645);

7) depoimento do delegado de polícia responsável pela investigação, apontando como principais e únicos suspeitos Mizael e Evandro;

8) parentes de Evandro (irmão e cunhado) residem ou residiam nas proximidades do local em que o veículo e a vítima foram localizados;

9) por meio de cruzamento de dados telefônicos foram constatadas diversas ligações entre Mizael e Evandro no dia do crime, o que foi explicado em minúcias pelo policial civil Alexandre;

10) não apresentação da suposta garota de programa (álibi);

11) o rastreador do veículo de Mizael não apresentou qualquer defeito até o dia do crime (fls.1910); e

12) no sapato pertencente a Mizael, o qual foi regularmente apreendido, foram encontrados fragmentos de uma alga subaquática, de água doce, compatível com as características da represa de Nazaré Paulista/SP, partículas ósseas, com probabilidade acentuada de ser osso humano, resquícios de substância hematóide e partículas de cobre e zinco que, agrupadas, formam o chamado “latão”, material encontrado em projéteis de arma de fogo semiencamisados (fls. 1310/1535).

Mércia e Mizael foram sócios na advocacia e namorados. Em entrevista ao portal do “IG”, a irmã de Mércia, Claudia Nakashima, disse que o namoro dos dois foi marcado por idas e vindas e muitas brigas. Quando estava com ele “Mércia era outra pessoa”. “Ela não podia falar com ninguém, vizinhos do prédio até falam que quando ela estava sozinha no elevador cumprimentava; quando estava com ele, abaixava a cabeça”, diz Cláudia.

Não há provas diretas indiscutíveis (confissão de Mizael, testemunha ocular etc.). A acusação, em princípio, está fundada em indícios. Mizael se diz inocente. Escreveu um livro, mas não o juntou no prazo legal (3 dias antes do julgamento). Em princípio os jurados não terão acesso a esse livro. Segunda-feira (dia 11.03), a partir das 9h, o portal Terra fará a transmissão ao vivo do julgamento. Para comentar os aspectos técnicos e as polêmicas jurídicas do julgamento, estaremos no estúdio do Portal Terra, juntamente com professores e convidados do Portal Atualidades do Direito. Avante!


LUIZ FLÁVIO GOMES, jurista e diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Estou no blogdolfg.com.br
ALICE BIANCHINI, doutora em Direito penal pela PUC/SP e Coeditora do Portal www.atualidadesdodireito.com.br

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