Olhar Jurídico

Domingo, 28 de abril de 2024

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Tempos Sombrios

Quarta feira, 18h. Recebo uma ligação do presidente da comissão de direito penal da OAB, colega criminalista Waldir Valdas, solicitando imediata presença no Cisc Planalto para acompanhar dois advogados que, no exercício de suas atividades, insistiram em acompanhar o registro de uma ocorrência e foram presos pela Polícia Militar.

18h40. Chego ao Cisc Planalto, e na entrada, me deparo com dezenas de estudantes universitários, aguardando informações a respeito de seis estudantes universitários, presos durante a tarde, durante manifesto contra fechamento de vagas na Casa do Estudante Universitário, da UFMT.

18h50. Converso com os advogados e constato que o absurdo republicano realmente se verificou: uma advogada, que acompanhava os estudantes universitários, exigiu, como deveria exigir, sua entrada no ambiente em que os estudantes presos aguardavam o registro da ocorrência pelos policiais responsáveis pela desastrosa ação. Ao insistir para entrar na sala, a advogada foi impedida por um policial, que fechou a porta e a quebrou. Com a porta quebrada, pasmem, o policial deu voz de prisão à advogada, por crime de dano e desacato. Após ter dado voz de prisão, o agente público jogou a advogada contra uma mesa e iniciou o procedimento de retirada dos pertences da profissional para efetuar seu recolhimento à prisão. Ao presenciar a truculenta ação contra a advogada que simplesmente exercia seu mister, outro advogado, prontamente interveio em defesa da colega (mais um profissional exercendo sua funções, em estrita observância a suas prerrogativas). Qual reação da força policial? Dar voz de prisão também a este advogado, considerando-o partícipe da "conduta criminosa" da advogada.

Em tempos de Estado Democrático de Direito, os fatos ocorridos na noite de ontem, no Cisc Planalto, ressuscitam tempos estranhos de nossa recente história, em que os atos do Estado eram praticados longe dos olhos de qualquer cidadão.

A Constituição de 1988 atribui ao advogado o status de agente essencial ao funcionamento da justiça, garantindo-lhe instrumentos de atuação para a defesa do cidadão, instrumentos estes positivados na Lei federal 8.906/94.

O estatuto da advocacia é claro e contundente ao estabelecer ser direito do advogado ingressar livremente em qualquer tribunal, delegacia, prisão, sala de audiência ou qualquer edifício ou recinto que funcione repartição judicial ou outro serviço público (art. 7º, inciso VI).
O advogado é a última arma do cidadão contra o arbítrio, contra a violência ilegítima do aparelho estatal. O advogado, que atua com ética e lealdade, é um verdadeiro desfazedor de injustiças.

A violência contra a advogada no interior de um espaço estatal remete-nos ao triste e escuro período de ditadura, época em que aqueles que não concordavam com as estruturas políticas tinham suas vidas interrompidas.

Na mesma semana em que o governo federal, em atitude importante, encaminhou ao arquivo nacional documentos secretos remanescentes do regime militar, presenciamos em nosso estado verdadeiro ato de terror contra advogados que só estavam a exercer seu ofício.

Não podemos tolerar essa grave violação, não apenas aos advogados. Não podemos essa grave violação à sociedade. Não podemos tolerar essa grave violação à história de nosso país.


Saulo Rondon Gahyva é advogado, Vice presidente da Comissão de Direito Penal e Processo penal da OAB MT, acompanhou os advogados e um dos estudantes presos.

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