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Sábado, 27 de abril de 2024

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Desumano, demasiadamente desumano!

A sociedade brasileira pactuou, ou pelo menos assentiu, com o fato de que diante de uma ofensa, ou da simples ameaça dela em alguns casos, a algum bem jurídico considerado importante (vida, honra, patrimônio etc.), que acarretar repercussão sensível e indesejável à ordem, ao desenvolvimento e à segurança, o autor, co-autor e/ou partícipe do fato típico previsto em lei penal deve ser responsabilizado, mediante condenação transitada em julgado, resultante de ação penal processada em harmonia com as garantias previstas na Constituição.

Entre os diversos regimes de execução da pena, o mais clássico com certeza é o regime fechado, aplicado apenas na pena de reclusão, em que o preso fica literalmente aprisionado atrás das grades, com seus direitos de ir e vir temporariamente obstruídos.

Porém, segundo a Lei de Execuções Penais e a Resolução de Regras Mínimas Para o Tratamento do Preso do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, o preso definitivo somente pode ter restringido aquilo que expressamente consta do dispositivo da sentença e da lei; sendo assegurados todos os outros direitos inerentes à qualidade de pessoa que ele não deixará de ostentar, desde a chapa do advento até a cruz do arrebatamento, como o direito à dignidade da pessoa humana, à integridade física e moral, bem como os direitos à assistência familiar, social, religiosa, material, jurídica, educacional e à saúde.

Portanto, sempre que o preso estiver em situação degradante e em desconformidade com o ordenamento jurídico vigente, forçoso se faz concluir que ele está cumprindo duas penas, sendo que, todavia, apenas uma delas é determinada pelo veredicto judicial e agasalhada por lei, enquanto a outra é expressamente vedada pela Constituição Federal.

Isso porque, a sujeição do preso a condições mortificantes não só é ilegal, como também é cruel e severo, revelando um lamentável traço de vingança coletiva, que prejudica ou impede a prevenção da reincidência delitiva e a ressocialização do egresso, assim, não contribuindo em nada com a evolução ética e moral da sociedade. Muito pelo contrário, tal situação somente serve para revoltar o preso, fomentar a violência e elevar os índices de criminalidade.

Frente a esse quadro de desumanização do ser-humano, diagnosticado pelo Plano de Modernização do Sistema Penitenciário do Estado de Mato Grosso e por uma recente fala do Ministro da Justiça, José Cardoso, de superlotação do sistema presidiário, de acomodações inadequadas à convivência e, até mesmo, à sobrevivência humana, de precariedade de assistência médica e social, de ausência de políticas de capacitação, de trabalho e renda, o preso está autorizado a submeter seu caso ao amparo e reparo do Judiciário.

Ele pode e deve fazer isso em busca tanto da alteração do estado de coisas que quase sempre não possui adequação ao delito praticado e nunca à condição humana, quanto do ressarcimento dos danos sofridos na pele, cravados na mente e pujantes no coração.

Contudo, nem a omissão das autoridades e nem as condições precárias são os obstáculos mais difíceis a serem superados por quem um dia tropeçou e dentro da cadeia parou, mas, sim, o preconceito que marginaliza o ex-presidiário, ao invés de lhe conceder uma nova chance, mesmo tendo ele quitado todas as suas obrigações perante a vítima e a sociedade.


Paulo Lemos – Ouvidor-Geral da Defensoria do Estado de Mato Grosso.

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