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Sábado, 27 de abril de 2024

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Vida ou capital financeiro: quem vem primeiro?

Com todo respeito à decisão judicial que denegou o pedido de liminar feito pelo Ministério Público em Ação Civil Pública, a fim de sustar e desfazer uma polêmica empreitada da CEMAT no bairro Santa Amália-Cuiabá/MT, alegando ausência de demonstração de risco, aparentemente ela não obteve o costumeiro acerto das decisões prolatadas pelo preclaro Poder Judiciário. Pois, para enorme irresignação dos moradores do bairro Santa Amália, sequer foi feito Estudo de Impacto de Vizinhança antes das enormes torres de transferência de energia ser brutalmente cravadas em suas calçadas (arrancando árvore, pondo em risco o sistema de esgoto, alterando o projeto urbanístico e de paisagismo local e, provavelmente, abalando o valor dos imóveis afetados) e sobre suas cabeças (trazendo riscos maiores do que os comumente existentes na convivência com pequenos postes de distribuição de energia, que hora ou outra podem gerar graves acidentes).

Ora, no caso, não há dúvidas de que entre as poderosas CEMAT e VOTORANTIN, de um lado, e os trabalhadores que residem no bairro, de outro, o grupo considerado vulnerável é o formado pelos moradores. Então, afora a previsão legal da obrigatoriedade do Estudo de Impacto de Vizinhança, na hipótese da implantação de torres de transferência de energia elétrica, o ônus da prova (de risco ou não de acidentes) é da CEMAT, e não dos moradores (que mal podem arcar com as despesas de advogados, quanto mais de outros profissionais para elaborarem laudos técnicos e perícias necessárias).

Será que se fosse para levar luz para moradores de rua ou à sem-terra, até um humilde vilarejo localizado do outro lado de algum luxuoso residencial fechado da Capital, a CEMAT teria cravado torres de alta tensão nas calçadas e sobre as cabeças das autoridades públicas e megaempresários residentes nesse lugar, sem fazer Estudo de Impacto de Vizinhança e/ou sem propor qualquer forma de indenização ou compensação? E os instruídos moradores desse residencial fechado se resignariam passivamente diante de tamanha afronta aos direitos fundamentais violentados?

O que deve preponderar na República Federativa do Brasil: a dignidade da pessoa humana e a felicidade das pessoas ou a dignidade da pessoa jurídica e o capital financeiro? Os diretos humanos, como o da dignidade da pessoa humana e o da felicidade das pessoas, valem para todos ou apenas para àqueles que detém poder econômico e/ou político?

Bom, os moradores do bairro Santa Amália e todos que acompanham o caso aguardam esperançosamente pelas justas e rápidas providências e ainda depositam fé nas autoridades públicas constituídas e, sobretudo, em Deus. No entanto, não basta esperança e fé: há que ter amor ao próximo e à justiça social, para intervir na realidade que se tem e conquistar a realidade humanitária que se pretende ter.


Paulo Lemos – Ouvidor-Geral da Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso e advogado.

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