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A obrigatoriedade ou não da participação dos empregados em dinâmicas promovidas pelas empresas
Autor: Carla Reita Faria Leal e Gabriela de Andrade N. Gonçalves
29 Mar 2024 - 08:00
Nesta coluna trataremos sobre as dinâmicas promovidas pelas empresas e a obrigatoriedade ou não da participação dos empregados nessas ocasiões.
Diferentemente dos treinamentos realizados no ambiente do trabalho, com a finalidade de promover a capacitação dos trabalhadores diante das atividades laborais por eles desenvolvidas, as dinâmicas oferecidas - e que têm se tornado bastante populares nas empresas - são atividades majoritariamente de cunho motivacional, que visam conscientizar as pessoas sobre diferentes temáticas, como bem-estar, autoestima, comunicação não violenta, oratória, planejamento financeiro, dentre outros.
Verifica-se que tal prática se tornou mais recorrente nos últimos anos, como resultado até mesmo dessa luta constante por uma melhor qualidade de vida dos empregados e para tornar os ambientes de trabalho um pouco mais humano. Porém, muitas empresas misturam essa proposta com a busca por um aumento de produtividade, alcance de metas e afins. É justamente nessas situações que o risco surge, pois confundem a real proposta dessas dinâmicas e colocam os trabalhadores em posições que vão além de mero desconforto.
É importante destacar que a aplicação de dinâmicas é legítima e faz parte do poder diretivo das empresas. Ocorre que muitas delas, como já mencionamos, têm o objetivo de alcançar metas travestidos de dinâmicas motivacionais e ultrapassam os limites razoáveis.
Um dos julgados por nós pesquisados condenou uma empresa no ramo de bebidas ao pagamento de indenização a título de danos morais, em razão da implementação do mural “Pior do Dia”, em que a foto daquele que se atrasasse nas entregas de bebidas, ou não cumprisse a meta, era colocada em destaque, o que resultava em motivo de chacota na reunião matinal da empresa.
A Justiça do Trabalho de Minas Gerais, por sua vez, também condenou uma empresa ao pagamento de indenização por danos morais pois, em um treinamento motivacional, obrigou o seu empregado a andar descalço, por dez metros, em carvão em brasa.
Outra prática bastante vista nos dias de hoje é chamada de “cheers”. Trata-se de reuniões em que os empregados são coagidos a cantarem em voz alta, a realizarem “gritos de guerra” ou, até mesmo, danças como parte de uma rotina motivadora que resulta em exigir o desempenho de atividades que pelas quais não foram contratados.
Assim, tem se tornado recorrente o constrangimento no ambiente de trabalho em decorrência justamente de dinâmicas que, ao contrário de objetivo almejado, resultam na humilhação e constrangimento dos empregados.
Deste modo, é importante destacar que nem todos os trabalhadores são obrigados a participar das dinâmicas promovidas no ambiente de trabalho, seja por falta de afinidade à temática, seja por motivos pessoais ou qualquer outro quando a proposta resultar em situações vexatórias, constrangedoras ou que ofendam a imagem, a honra, a intimidade ou a dignidade do profissional, conforme prevê a Constituição Federal. Isto porque muitas delas buscam a melhor desenvoltura desses trabalhadores e, para tanto, ultrapassam barreiras do que é aceitável e perdem o seu objetivo inicial.
A má execução dessas dinâmicas pode ter resultados complexos e avessos aos pretendidos, por poder gerar uma perseguição interna, de forma velada, com àqueles que não se disponibilizam a interagir em determinadas dinâmicas, retaliação de colegas e, consequentemente, desencadear episódios de doenças ocupacionais, como ansiedade, depressão e, até mesmo, acidentes de trabalho e doenças ocupacionais.
Desse modo, a aplicação dessas técnicas deve ser feita com cautela, respeitando os limites de cada ser humano, a individualidade de cada um. Deve ser acompanhada de profissionais qualificados, de modo a não abusar do poder diretivo da empresa para compelir o trabalhador a ser parte de atividade que lhe gere algum transtorno. Caso contrário, é cabível não só o pedido de indenização por dano moral de aplicação, mas também o pedido de rescisão indireta do contrato de trabalho por parte do empregado, que é a justa causa do empregador, previsto no art. 483 da CLT.
Carla Reita Faria Leal e Gabriela de Andrade N. Gonçalves são membros do Grupo de Pesquisa sobre meio ambiente do trabalho da UFMT, o GPMAT.