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ENTREVISTA ESPECIAL

"Cada processo deste é uma vida": a rotina de um juiz responsável por 8 mil presos de Cuiabá e VG; Veja entrevista

25 Dez 2017 - 15:04

Da Redação - Paulo Victor Fanaia Teixeira

Foto: Rogério Florentino/OlharDireto

Geraldo Fidelis

Geraldo Fidelis

Já se imaginou na responsabilidade de zelar por oito mil vidas? Essa é a função diária do juiz de direito Geraldo Fernandes Fidelis, da Vara de Execuções Penais de Cuiabá. Sua função é receber as sentenças das outras Varas e Executar a prisão do réu. Ainda, administrar os regimes de cada réu (fechado, aberto e semi-aberto) e a lotação dos sistemas penitenciários de Cuiabá e Várzea Grande. Com apenas três assessores, 09 funcionários e 14 estagiários, Fidelis garante ser capaz da empreitada, mas admite que um investimento do Estado seria ideal. 


Ao entrar no gabinete, a reportagem mal vê o juiz, afundado entre centenas de pastas, volumes e papéis. O apelo visual do amontoado de documentos nos leva para um ambinte profundamente burocrático. Nos esquecemos absolutamente do teor daqueles papéis, até o momento em que o magistrado, ainda sorrindo, nos põe à par da realidade: "Cada processo deste aqui é uma vida..", e ficamos em silêncio.

Nesta entrevista especial para o fim de ano do Olhar Jurídico, o magistrado revela os desafios e as conquistas de sua atuação junto à Vara de Execuções Penais em 2017. Ao final, ele aponta as perspectivas para 2018. Acompanhe:

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Impossível começarmos falando de outra coisa. É impressionante o número de processos...
 
“Cada processo deste aqui é uma vida... não são papéis, preto no branco, não. São vidas. Isto resume a situação da criminalidade na nossa capital e em Várzea Grande. São processos relativos à recuperandos de regime fechado, aberto e semi-aberto, além de alguns em condicional. Buscamos dar dinamicidade a todos eles. Te garanto: não tem processo parado aqui. Não somos infalíveis, mas posso garantir que está zerada a Vara, em dia. Pode acontecer um fato ou outro, mas lutamos para combater a exceção. Isso é importante, pois aqui afunilam todos os julgamentos, nós os pegamos dos juízes e dos tribunais e fazemos a execução”.

Com quais objetivos?

“Aplicação da Lei Penal, fazer valer o que foi decidido em sentença ou acórdão e buscar a recuperação de pessoas. No Brasil, o sistema é diferente dos EUA, lá o sistema é repressivo e não visa recuperar as pessoas. Aqui, nós buscamos a humanização das pessoas. Para tanto, precisamos que o Estado brasileiro nos dê condições e instrumentos. São pessoas que foram reprovadas na escola, na sociedade, na família, que praticaram crimes, que chegaram à fase já praticando crimes”.

Qual sua estrutura de trabalho?

“Somos dois juízes, cada um com três assessores, temos 09 funcionários entre analistas e técnicos, além de 14 estagiários. É um número baixo. Deveríamos ter no mínimo 45 funcionários, pelo cálculo do CNJ”.

O que está faltando?

“Dinheiro... (sic)”

Como o Sr. vê isso?

“Faltam funcionários em todas as Varas, vejo que a minha diretora faz o possível para ajudar todo mundo aqui, mas está todo mundo carente. É uma deficiência em todo o Estado de Mato Grosso, faltam funcionários, é preciso fazer concurso”.
 
Falta estrutura física?

“Dá pra levar... temos dois gabinetes agora, eles nos ajudaram a fazer duas estruturas. Quando acabarem estes processos vai dar para respirar, vai dar para enxergar...”

Qual seria o número ideal de processos por juiz, segundo o CNJ?

“De 2 a 3 mil”.

Quantos o Sr. tem hoje?

“Estou com oito mil processos e os divido com o juiz Jorge Luiz Tadeu Rodrigues, coordenador do Conselho de Comunidade, que visa atender a família do recuperando, ele também é responsável por oito mil processos. Nós dois sozinhos somos uma Vara do porte da Comarca de Diamantino”.

Como lidar com o número absurdo de processos (pasta, papéis, fotocópias...) sem “objetificar” o ser humano que está por trás deles?

“É fundamental você não perder a sensibilidade. Quem trabalha na área da segurança, tanto na aplicação da lei quanto na repressão da rua, ficamos calejados e com calos nas mãos, perdemos a sensibilidade. Faço até uma analogia: esses dias fui visitar um afilhado meu recém nascido, que tinha um pouquinho de sangue saindo do braço, por conta de uma pulsão que havia sido feita. A enfermeira, equivocada e na correria, retirou a gota de sangue com o dedo. Ela estava calejada, cansada e estressada. Essa imagem não podemos ter aqui, não podemos nos estressar, pois são vidas. Nós como seres humanos somos suscetíveis a erros, mas temos que ficar antenados para evitá-los, pois um erro nosso aqui pode gerar dias, meses ou anos de uma pessoa na penitenciária, ou de maneira contrária, libertar alguém que ainda tem pena a cumprir”.

No que consiste “estar antenado”?

“Temos que buscar sempre dar atenção ao contato com as unidades penitenciárias, buscar saber como está a situação da recuperação, tentarmos diminuir a violência, a questão da saúde, do excesso de pessoas por penitenciária”.

Fim da primeira parte.
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