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Sexta-feira, 29 de março de 2024

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Entrevista da semana

Promotor de casos emblemáticos aponta falta de peritos e diz que só ignorantes e desonestos não apreciam o MP

Foto: Assessoria

Promotor de Justiça João Augusto Veras Gadelha

Promotor de Justiça João Augusto Veras Gadelha

O promotor de Justiça João Augusto Veras Gadelha, durante 22 anos de atuação no Tribunal do Júri, analisa em entrevista ao Olhar Jurídico que um dos grandes problemas enfrentados é falta de provas produzidas, tanto na fase policial quanto na fase processual, problemática que reflete a falta de investimento do Estado no trabalho da perícia técnica. Ele ainda sustenta que apenas dois tipos de pessoas não apreciam o trabalho do Ministério Público: os ignorantes e os desonestos. 

O promotor aponta que muitas testemunhas temem em prestar depoimento no Tribunal por medo de represálias. “Essencialmente quando há envolvimento de traficantes e brigas de turmas rivais, onde sempre matam em público à luz do dia, porém impõe-se a lei do silêncio”.  Um exemplo dessa situação foi constatado no caso do assassinato do jornalista Auro Ida, em que testemunha ocular do crime não compareceu ao Júri.

Outro ponto negativo destacado por Gadelha é a falência do sistema carcerário, que por falta de estrutura usa mecanismos para esvaziar os estabelecimentos penais, evitando rebeliões “principalmente em datas natalinas, com os famosos indultos”.

“Constantemente se alcançam elevadas penas nas condenações, porém, para nossa surpresa, deparamos com reeducando que deveriam estar encarcerados, livremente andando no Fórum, supermercado e comércio local”.

O promotor fala com propriedade e conhecimento de causa por ter atuado em casos de grande relevância  como o “Duplo assassinato do Jardim Sangrilá – Delegado Edgar Fróes”; “Tortura e execução do funcionário da Delicius Fish, por policiais militares”, “Corréus de Zé Guia, na morte do agricultor pai do Dep. Federal Valtenir”, “Morte do adolescente Kaito”; “Caso Miguelina, matou o próprio filho Leonan – 5 anos”, “Caso dos seguranças do Shopping Goiabeiras”; que marcaram pela brutalidade.

Dentre os mais recentes destacam-se a “Morte do Jornalista Auro Ida”; “Silas Caetano, que mandou matar os próprios filhos” e “Caso Ryan, onde Carlos Henrique, matou a sogra e garoto Ryan de 4 anos, jogando-o no rio Cuiabá”.

Gadelha resumiu o Tribunal do Júri em poucas palavras: "nada mais é do que o cidadão de bem, julgando seu próprio semelhante, acima das normas inflexíveis da lei e do direito, para se fazer justiça procurando restabelecer o equilíbrio quebrado pela ofensa ao direito à vida, com o objetivo de restaurar a paz social".

Confira os principais trechos da entrevista da semana com o promotor de Justiça João Augusto Gadelha:

Olhar Jurídico: Quais os pontos positivos e as dificuldades de ser promotor no Tribunal do Júri?

Promotor Gadelha:
O principal ponto positivo que vislumbro em ser promotor no Tribunal do Júri, é a satisfação profissional de se obter um resultado concreto ao final de cada trabalho, pois a prestação jurisdicional, o veredicto no julgamento é imediato ao término de cada sessão, ao invés de criar caruncho nos gabinetes. De outro vértice, as dificuldades são enormes quanto as provas produzidas, tanto em sede policial quanto na fase processual, pelo temor justificado de represálias que sofrem as testemunhas, essencialmente quando há envolvimento de traficantes e brigas de turmas rivais, onde sempre matam em público à luz do dia, porém impõe-se a “lei do silêncio”, daí a necessidade do Estado investir mais na contratação e formação de peritos criminais, para que haja a produção de provas técnicas e científicas.

Olhar Jurídico: No Brasil, há uma resistência em incluir na reforma do Código de Processo Penal a motivação das decisões do Tribunal do Júri. Como o senhor analisa essa situação?

Promotor Gadelha:
A Constituição/98, em seu art.93, IX, determina que todas as decisões judiciais serão fundamentadas, sob pena de nulidade, contudo, o ordenamento jurídico brasileiro contém uma exceção à exigência relatada, qual seja, o Tribunal do Júri, eis que os veredictos atendem ao princípio da íntima convicção, porquanto o preceito constitucional do Júri reside no fato de nele ver-se a prerrogativa democrática do cidadão, uma fórmula de distribuição da justiça pelos próprios integrantes do povo, voltada muito mais à justiça do caso concreto do que à aplicação da mesma justiça a partir de normas jurídicas de grandes abstrações e generalidade. Nessa senda, tenho como válida isto porque, Justiça nada mais é do que bom senso, como dizia o jurisconsulto romano Ulpiano: “Justiça é dar a cada um o que é seu”. E, da experiência, constata-se que não há indulgência da Corte Popular frente à crescente evolução da criminalidade que assola brutalmente a sociedade, não sendo procedente a acusação de que o Tribunal Laico constantemente erra, visto que os erros permanecem na mesma margem da justiça togada.

Olhar Jurídico: O Ministério Público tem cumprido o seu papel no Tribunal do Júri?

Promotor Gadelha:
Com a atual providência da Corregedoria Geral do Ministério Público, criou-se o Núcleo de Crimes Dolosos Contra a Vida, composto por três (03) promotores criminais, exclusivamente, para atuar nos crimes intencionais contra à vida, desde seu nascedouro com o oferecimento da denúncia até sua conclusão, com o Plenário do Júri, o que vem proporcionando um trabalho de excelência para a sociedade.

Olhar Jurídico: Existem aspectos em que o Ministério Público deve melhorar? Se sim, quais?

Promotor Gadelha
: Nada está perfeito e acabado, desse modo, sempre haverá que se buscar a melhoria e adequação aos novos tempos. Nessa ordem de ideias, acredito que deve haver uma interação maior com a Polícia Judiciária Civil, bem como uma maior aproximação com a sociedade e entidade ligada aos familiares das vítimas, para obtenção de resultados concreto e célere.

Olhar Jurídico: As famílias sempre esperam uma punição severa da Justiça e muitas vezes ficam decepcionadas com condenações longas, mas que acabam beneficiando os condenados pelas progressões de pena. O senhor entende que a legislação precisa mudar?

Promotor Gadelha:
Este é um ponto interessante, constantemente se alcançam elevadas penas nas condenações, porém, para nossa surpresa, deparamos com reeducando que deveriam estar encarcerados, livremente andando no fórum, supermercado e comércio local. E isto não é problema da legislação, mas sim da falência do próprio sistema penitenciário que estagnou no tempo, e para se evitar a superpopulação carcerária, criam-se constantes mecanismos para esvaziar os estabelecimentos penais, evitando, assim, as rebeliões, principalmente em datas natalinas, com os famosos indultos.

Olhar Jurídico: O senhor tem quanto tempo de Ministério Público? Tem uma estimativa de quantas sessões do tribunal do Júri já participou? Há alguma sessão em especial que gostaria de relatar brevemente?

Promotor Gadelha
: Ingressei no Ministério Público do Estado de Mato Grosso em fevereiro/1992, portanto, há quase 22 anos. Nesse período já trabalhei, em exato, 927 julgamentos. Houveram diversos julgamentos que marcaram não só pela sua complexidade, relevância, como também pela sua própria brutalidade dos crimes, dos quais cito alguns:
“Atentado ao Delegado Gil”, “Chacina envolvendo o Sgtº Jesus e seus seguranças”; “A execução do Sub.Ten. Dezorzi, por oficiais de alta patente da PM” “Morte do vereador – Daniel do INDEA - Tangará da Serra”, Atentado ao suplente de vereador do PT - Sinvaldo” - estes marcaram pela complexidade dos processos;

“Duplo assassinato do Jardim Sangrilá – Delegado Edgar Fróes”; “Execução do eletricista – Leonardo Braga Filho”, “Cabo Conan”, “Tortura e execução do funcionário da Delicius Fish, por policiais militares”, “Corréus de Zé Guia, na morte do agricultor pai do Dep. Federal Valtenir”, casos de relevantes repercussões;

“Morte do adolescente Kaito”; “Morte da adolescente Bruna do Argentino Jorge Santiago Demétrio”; “Caso Miguelina, matou o próprio filho Leonan – 5 anos”, “Caso do Shopping Goiabeiras”; estes marcaram pela brutalidade.
E, dentre os mais recentes como “a Morte do Jornalista Auro Ida”; “Silas Caetano, mandou matar os próprios filhos” e “Caso Ryan, onde Carlos Henrique, matou a sogra e o neto Ryan – 4 anos, jogando-o no rio Cuiabá”.

Por fim, esperamos ainda para este ano o julgamento do caso conhecido como “Casa da Suspensão – onde ocorreu a execução de pai e filho pelo réu Francisco de Assis Vieira Lucena” e o da “Morte do Jornalista - Sávio Brandão”, onde já houve a condenação de quatro réus, restando somente o mandante e mentor intelectual - João Arcanjo Ribeiro.

Olhar Jurídico: Quando há comoção da sociedade e, principalmente, muita repercussão na imprensa, o MP entra com vantagem no Júri?

Promotor Gadelha
: Nem sempre isso é uma verdade como argumenta a defesa, pois o que se aumenta, e muito, é a responsabilidade do Ministério Público, porque o crime de homicídio desperta nas pessoas uma verdadeira paixão, um interesse incontido de saber detalhes do evento delituoso, mormente os motivos que levaram o criminoso à prática do crime e, consciente ou inconscientemente, procedem, com as informações que possuem, a um julgamento prévio que será, ou não, confirmado posteriormente pelo Tribunal do Júri. Enfim, cria-se uma expectativa que nem sempre espelha a realidade existente no acervo probatório a ser demonstrado para o Conselho de Sentença, portanto, é uma faca de dois gumes.

Olhar Jurídico: Como o senhor define o instituto do Tribunal do Júri?

Promotor Gadelha
: O Júri é um órgão especial do Poder Judiciário de 1ª instância, pertencente à justiça comum, colegiado e heterogêneo, formado por um juiz de direito que é seu presidente e sete pessoas do povo, sorteados dentre os 21 jurados, que formam o Conselho de Sentença, que tem competência exclusiva para julgar os crimes dolosos contra a vida, dotado de soberania quanto às suas decisões, tomadas de maneira sigilosa e inspirada pela íntima convicção, sem fundamentação.

Em breves palavras, nada mais é do que o cidadão de bem, julgando seu próprio semelhante, acima das normas inflexíveis da lei e do direito, para se fazer justiça procurando restabelecer o equilíbrio quebrado pela ofensa ao direito à vida, com o objetivo de restaurar a paz social.

Olhar Jurídico: Por que os casos julgados pelo Júri são chamados crimes dolosos contra a vida?

Promotor Gadelha
: Crime dolosos contra a vida, são os cometidos quando o agente quis o resultado morte ou assumiu o risco de produzi-lo. A primeira parte é o dolo direto, onde há a vontade livre e consciente de produzir o resultado morte, e a segunda parte seria o dolo indireto quando a pessoa assumiu o risco de produzir o resultado. Este último, compreende duas formas: a) dolo eventual, quando conscientemente, admite e aceita o risco de produzir o resultado; b) dolo alternativo, quando a vontade do agente visa a um ou outro resultado. ex.: matar ou ferir.

Olhar Jurídico: Há necessidade de que determinados crimes sejam julgados por leigos, que não têm o conhecimento do que é válido ou não é válido no processo penal?

Promotor Gadelha
: Acredito que somente os crimes dolosos contra a vida, bem maior que Deus nos presenteou, já é o suficiente, apesar ter Projeto de Lei para alterar a competência do Tribunal do Júri, permitindo o julgamento dos crimes de corrupção ativa e passiva, porém, entendo, desnecessário, porque tanto a Suprema Corte quanto o CNJ, já estão pressionando os Tribunais a dar maior celeridade a esses procedimentos.

Olhar Jurídico: O senhor já atuou em algum caso sem réu presente? Se sim, qual a dificuldade?

Promotor Gadelha:
Atuei tanto antes como depois das alterações implementadas pela Lei nº 11.689/08. Pois bem, antes da citada lei, somente os crimes punidos com detenção, tais como: o infanticídio e o aborto, poderiam ser julgados sem a presença do acusado. Agora, com a nova legislação, mesmo os punidos com reclusão, como homicídio e induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio, também, podem realizar o julgamento sem a presença do réu solto, se intimado – art.457 CPP, o que foi um grande avanço. No tocante as dificuldades é exatamente a ausência da autodefesa que deve ser exercida pelo acusado

Olhar Jurídico: Outra questão em relação ao MP diz respeito a acusação que chamam muita atenção da opinião pública, e anos depois os acusados são absolvidos pelo Judiciário. O senhor achar que o promotor deve responder quando a ação proposta por ele é totalmente descabida?

Promotor Gadelha
: O promotor de justiça possui sua independência funcional, ou seja, age de acordo com sua consciência e, por óbvio de acordo com a legislação vigente. O fato do réu ser absolvido ou não é uma consequência do julgamento e entendimento das pessoas que julgam, posto que a função de julgar é muito pessoal, entretanto, caso a ação proposta seja totalmente descabida, poderá ser trancada a ação penal com a impetração do instituto denominado habeas corpus, ou mesmo representá-lo junto ao órgão da Corregedoria, o que não se pode e não se deve é simplesmente intimidar o representante do Ministério Público com retaliação, muita das vezes políticas.

Olhar Jurídico: O senhor já se deparou com alguma situação de tentativa de coação?

Promotor Gadelha
: Quando se trabalha processualmente com ética e respeito ao ser humano, sem qualquer tipo de agressão ou perseguição pessoal, no cumprimento de suas funções institucionais com profissionalismo, não há espaço para coação ou qualquer tipo de ameaças, mesmo porque há duas espécies de pessoas que não apreciam o Ministério Público: os ignorantes, porque não o conhecem e os desonestos, que sabem muito bem o motivo.

Olhar Jurídico: Na comarca onde o senhor atua, como está a demanda por sessões do Júri em relação a réus soltos? Em média, para cada sessão com réu solto, há quantas sessões para réu preso?

Promotor Gadelha
: Na comarca da Capital os julgamentos do Tribunal do Júri são realizados diariamente e durante todos os meses do ano de janeiro a dezembro, diferentemente das comarcas do interior onde há temporadas determinadas para realização dos julgamentos. Quanto aos réus soltos, há meta do CNJ a ser cumprida, portanto, no geral são julgados 50% .

Olhar Jurídico: Como último item, “O Ministério Público está com a palavra”: acrescente – caso queira – qualquer ponto de vista não perguntado e essencial ao Tribunal do Júri?

Promotor Gadelha:
Os processos de julgamento do Tribunal do Júri são bifásicos, sendo a primeira fase judicium acusationis (juízo de acusação) tramitando perante o juiz comum e a segunda fase judicium causae (juízo da causa, julgamento da demanda) diante do Tribunal do Júri. Apesar das alterações implementadas pela Lei 11.689/2008, não foi suprimida essa primeira fase, a qual entendo plenamente dispensável, para que haja uma maior celeridade, eficiência e simplicidade, devendo, pois, logo após o recebimento da denúncia e apresentação da defesa preliminar, ser o processo remetido diretamente para o juízo natural do crime dolosos contra a vida – o Tribunal do Júri, porquanto o recebimento da denúncia preenche os mesmos requisitos da pronúncia, qual seja, existência de indícios de autoria e materialidade.

Perfil

João Augusto Veras Gadelha é o 1º Promotor Criminal Titular do Tribunal do Júri, com atuação cumulativa na Procuradoria de Justiça perante a 1ª, 2ª e 3ª Câmaras Criminais do Tribunal de Justiça de Mato Grosso.

Atuou como titular nas comarcas de São José do Rio Claro, Alta Floresta, Cáceres e Cuiabá. Sendo plantonista nas comarcas de Diamantino e Chapada dos Guimarães.

Gadelha é pós-graduado em Ciências Penais, Direito Penal e Processual Penal.
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