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Segunda-feira, 29 de abril de 2024

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A subordinação algorítmica e algumas de suas consequências para o trabalhador

Autor: Carla Reita Faria Leal e Evandro Monezi Benevides

08 Mar 2024 - 08:00

Conforme conceitua Mauricio Godinho Delgado, em seu Curso de Direito do Trabalho, a subordinação é uma situação jurídica derivada do contrato de trabalho, pela qual o trabalhador compromete-se a acolher o poder de direção empresarial no tocante ao modo de realização de sua prestação laborativa. Assim, o empregado se encontra subordinado às ordens do empregador, tendo este o poder diretivo quanto ao modo de execução do trabalho, sendo inclusive, classicamente, a pedra de toque para a definição da existência do contrato de trabalho.
 
Ocorre que, com o avanço cada vez mais acelerado do uso das tecnologias, a dinâmica social tem sido significativamente alterada. Os modos de se relacionar, de estabelecer relações jurídicas e até mesmo de se comunicar não são mais os mesmos se comparados ao final da década de 1990. A bem da verdade, desde então, o mundo e, em especial, as relações de trabalho, não foram mais os mesmos. Hoje, o trabalho é cada vez mais realizado em ambientes descentralizados, automatizados e informatizados, desafiando a capacidade diretiva do empregador em estabelecer eficazmente a subordinação em relação a seus empregados e dessa forma poder controlá-los.
 
Diante desse cenário, o que se compreendia como “subordinação clássica”, conceituada acima, dá lugar agora a um novo tipo de subordinação. É que na atual era tecnológica, a subordinação não é exercida necessariamente por uma pessoa sobre a outra, mas sim por uma sequência lógica, finita e definida de instruções que se desenrola via ferramentas tecnológicas, tais como aplicativos. É o que Denise Fincato e Guilherme Wunsch chamam de subordinação algorítmica em um artigo publicado na Revista do Tribunal Superior do Trabalho.
 
A subordinação algorítmica vai muito além da compreensão clássica da subordinação do contrato de trabalho. Por meio do uso da tecnologia, o empregador consegue controlar a atividade exercida, a localização do empregado fora do ambiente de trabalho, ou mesmo fora de sua jornada de trabalho, quando já deveria estar em seu período de descanso.
 
A tecnologia, que antes era pensada como uma forma de libertação do trabalhador, de liberação do trabalhador de tarefas perigosas, insalubres e maçantes, permitindo que esse pudesse ter mais tempo livre para investir em questões como qualificação pessoal, atenção à família e às atividades de lazer, dentre outras, passou a ser utilizada para sujeitar o trabalhador a um controle muito maior que antes de sua adoção.
 
É justamente o que acontece, por exemplo, com os motoristas de aplicativo. De acordo com o defendido Teresa Coelho Moreira em sua obra sobre o tema, as fronteiras entre local de trabalho e fora dele tornam-se porosas, sendo que os aplicativos utilizados continuam a gerar dados e a controlar mesmo quando os motoristas não estão conduzindo seus veículos, pois a conectividade digital é permanente e o controle praticamente total, através do cruzamento das informações recolhidas pelas plataformas e o comando exercido pelos algoritmos que podem desativar os condutores com base na avaliação dos clientes,  direcionar corridas para alguns motoristas, diminuir e aumentar o valor a ser recebido por estes.
 
Isso também ocorre com os trabalhadores em teletrabalho, os quais, trabalhando remotamente e por meio de tecnologias de informação e comunicação (TICs), podem ser rigorosamente controlados, não só no tocante à produtividade, mas também no que diz respeito à jornada praticada, às pausas realizadas, ao local e à intensividade do trabalho.
 
Atualmente, tribunais trabalhistas de todo o mundo têm debatido os efeitos das tecnologias para o desenvolvimento de uma nova organização do trabalho, porém, ainda esbarram na falta de regulamentação adequada, como ocorre no Brasil, impedindo a correta proteção do trabalhador, que ainda fica exposto à precarização do trabalho.
 
Assim, precisamos urgentemente ter mais informações e discutir sobre o tema, pois é inegável que a tecnologia fará cada vez mais parte da rotina de todos, em especial dos trabalhadores, que devem ter a sua dignidade preservada.
 
Carla Reita Faria Leal e Evandro Monezi Benevides são membros do grupo de pesquisa sobre o meio ambiente de trabalho da UFMT, o GPMAT
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