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Quarta-feira, 01 de maio de 2024

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Assédio Eleitoral no Ambiente de Trabalho: uma versão contemporânea do antigo voto de cabresto

Autor: Carla Reita Faria Leal e Mauro Roberto Vaz Curvo

26 Jan 2024 - 08:00

A Constituição de 1891 estabeleceu a forma republicana de governo e introduziu o voto aberto e universal masculino, excluindo mulheres, analfabetos, menores de 21 anos, mendigos, indígenas, soldados rasos e membros do clero.
 
Com voto aberto, a Constituição de 1891 facilitou o "voto de cabresto" durante a República Velha (1889-1930), controlado pelos coronéis para manipular o voto popular. Aqueles que desafiavam os coronéis enfrentavam retaliações, como agressões físicas, perseguições e perda de emprego.
 
Atualmente, com o voto direto e secreto, com valor igual para todas as pessoas, previsto no artigo 14 da Constituição Federal de 1988, os cidadãos têm a liberdade de escolher seu candidato. Entretanto, ainda existem situações que se assemelham a um voto de cabresto contemporâneo, conhecido como agora assédio eleitoral ou político.
 
De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ),  nas eleições de 2022 ocorreu um aumento de mais de 1.500% denúncias de assédio eleitoral em comparação a 2018. Nas eleições de 2022, o Ministério Público do Trabalho (MPT) recebeu 3.505 denúncias, denunciou cerca de 2,5 mil empresas e instituições públicas, firmou 487 termos de ajustamento de conduta, ajuizou 93 ações judiciais e emitiu 1.498 recomendações sobre o tema.
 
A Resolução 355/2023 do Conselho Superior da Justiça do Trabalho conceitua assédio eleitoral como toda forma de distinção, exclusão ou preferência fundada em convicção ou opinião política no âmbito das relações de trabalho, inclusive no processo de admissão. 
 
Também é configurado assédio eleitoral pela prática de coação, intimidação, ameaça, humilhação ou constrangimento, no intuito de influenciar ou manipular o voto, o apoio, a orientação ou a manifestação política de trabalhadores no local de trabalho ou em situações relacionadas ao trabalho.
 
Além de violar a democracia, o assédio eleitoral, quando praticado em razão do trabalho, seja público ou privado, autônomo ou subordinado, rural ou urbano, desrespeita os direitos fundamentais dos trabalhadores previstos na Constituição Federal, como a dignidade da pessoa humana; o valor social do trabalho; a liberdade de pensamento e de opinião política; o livre exercício, e de forma integral, da cidadania; a igualdade, a intimidade e a vida privada e o voto de igual valor, universal, direto e secreto.
 
Configura, ainda, em prática discriminatória por crença, convicção filosófica ou política, proibidas pelo art. 5º, VIII e XLI, da Constituição Federal e, por normas internacionais, Declaração Universal dos Direitos Humanos, Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, Convenção Americana de Direitos Humanos, Convenções 111, 117 e 190 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), além de abuso de direito e ato ilícito (art. 187 e 927 do Código Civil).
 
Ademais, o Código Eleitoral (artigos 299, 300 e 301) criminaliza toda conduta que tenha o objetivo de interferir na escolha do voto. Assim, ações como propagandas nos locais de trabalho são consideradas ilícitas pela legislação eleitoral (Lei n.º 9.504/97 e Resolução TSE 23.610/2019, podendo inclusive caracterizar abuso de poder econômico.
 
Além de repercussões no âmbito criminal e eleitoral, o assédio eleitoral acarreta consequências jurídicas nas relações de trabalho.
 
O trabalhador assediado, com contrato vigente, poderá rescindir o contrato por culpa do empregador, ou seja, por meio de rescisão indireta do contrato de trabalho, com direito a aviso prévio e multa de 40% do FGTS, além das demais verbas rescisórias. Já o trabalhador dispensado por motivos eleitorais poderá pleitear a sua reintegração ao emprego, mediante pagamento das remunerações devidas ou receber em dobro a remuneração do período de afastamento (Lei n.º 9.029/95). Em ambas as situações, o trabalhador terá direito à indenização por danos morais individuais.
 
O empregador poderá, ainda, sofrer multa administrativa de até 10 vezes o maior salário da folha de pagamento daquela empresa ou 50 vezes em caso de reincidência, ser proibido de obtenção de empréstimo ou financiamento perante órgãos oficiais e ser condenado por danos morais coletivos, em ações civis coletivas ajuizadas pelo MPT.
 
Recentemente a 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho de Mato Grosso confirmou sentença da 1ª Vara do Trabalho de Tangará da Serra, que condenou um hipermercado ao pagamento de indenização por danos morais coletivos pela prática de assédio eleitoral, no valor de 150 mil reais.
 
No caso, os proprietários do supermercado forneceram camisetas com conotação política para serem usadas pelos funcionários como uniforme durante o expediente. 
 
Segundo a relatora do caso, Desembargadora Adenir Carruesco, “o empregador, de forma abusiva, aproveita-se de seu poder diretivo para arregimentar voto ao candidato a cargo político de seu interesse, remontando ao coronelismo e ao voto de cabresto da República Velha”.
 
Esta decisão sinaliza que o assédio eleitoral praticado no âmbito das relações de trabalho nas eleições municipais de 2024 será punido pela Justiça do Trabalho.
 
Carla Reita Faria Leal e Mauro Roberto Vaz Curvo são membros do Grupo de Pesquisa sobre o meio ambiente de trabalho da UFMT, o GPMAT.
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