Doutora em ecologia e recursos naturais pela Universidade Federal de São Carlos, em São Paulo, Solange Ikeda Castrillon afirmou ao
Olhar Direto que o Pantanal pode sofrer impactos irreversíveis caso a lei estadual que proíbe instalações de hidrelétricas em toda extensão do Rio Cuiabá seja declarada inválida pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Julgamento sobre a constitucionalidade da norma começou na sexta-feira (28) com o relator do caso, ministro Edson Fachin, votando pela sua validade.
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A professora explicou que o projeto que visa instalar seis pequenas centrais hidrelétricas no Rio Cuiabá pode afetar a reprodução dos peixes do Pantanal, bem como causar mudanças na qualidade da água a partir da retenção de segmentos, caso a norma em vigor seja invalidada.
“A proposta desses seis empreendimentos se soma já há 43 empreendimentos instalados e uma proposta de mais de 100 construções em todo Pantanal. Muito provavelmente poderemos ter impactos irreversíveis relacionados à cultura do rio. Um rio que traz soberania alimentar aos pescadores, ribeirinhos, traz fonte de renda para sociedade do seu entorno”, explicou a doutora.
Contra a instalação dos empreendimentos no Cuiabá, o deputado Wilson Santos (PSD) propôs a Lei nº 11.865/2022 do Estado do Mato Grosso, que possui o seguinte teor: Art. 1º Fica proibida a construção de Usinas Hidrelétricas - UHEs e Pequenas Centrais Hidrelétricas - PCHs, em toda a extensão do Rio Cuiabá. Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
A norma chegou a ser vetada pelo governador Mauro Mendes (União), todavia, por 20 votos favoráveis e três pela manutenção, os deputados da Assembleia Legislativa de Mato Grosso derrubaram o veto e promulgaram a lei em agosto de 2022.
Acontece que em novembro do ano passado, a Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa (Abragel) propôs Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) para sustas os efeitos da lei, sob alegação de que ao proibir a construção de PCHs e UHEs, além usurpar a competência privativa da União para legislar sobre água e energia, ainda afrontou previsões constitucionais relativas à competência da União para explorar os bens de seu domínio.
No dia 25 de abril de 2023, já com o andamento da ADI no Supremo, o ministro Edson Fachin, relator do processo, deferiu um pedido para que seis entidades ambientais entrassem no caso como assistentes de acusação.
Foram aceitas no processo as entidades WWF-Brasil, Fórum Nacional de Sociedade Civil na Gestão de Bacias Hidrográficas, Instituto Centro de Vida (ICV), Instituto de Pesquisa e Educação Ambiental (Instituto GAIA) e Instituto Socioambiental da Bacia do Alto Paraguai (SOS Pantanal).
Na petição, eles argumentaram que o rio Cuiabá O rio Cuiabá – objeto de proteção pela lei questionada nos autos – forma rota essencial de peixes migratórios para toda a bacia do Alto Paraguai, além de constituir-se como importante fornecedor de água e sedimentos para a bacia, conforme constatado pelo Plano de Recursos Hídricos da Região Hidrográfica do Paraguai.
Por esses e outros motivos, asseguraram as entidades que a instalação de hidrelétricas e PCHs no rio detém elevadíssimo potencial de impactos sociais e ambientais, tornando de importante relevância a decisão que será tomada pelo Supremo.
“Como já mencionado nos autos, a instalação de empreendimentos hidrelétricos no rio Cuiabá pode comprometer a sustentabilidade ambiental da Região Hidrográfica do Paraguai e de grande parte do Pantanal Mato-grossense, bioma reconhecido como patrimônio nacional pela Constituição Federal (art. 225, § 4o). Evidente, por isso, a relevância social e ambiental da matéria”, diz trecho da petição.
Diante disso, eles foram aceitos como assistentes de acusação no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade para contribuir na formação do convencimento do Supremo Tribunal Federal a respeito da questão em debate.
Nesta sexta-feira (28), data que marcou o início do julgamento, Edson Fachin proferiu seu voto e se posicionou pela constitucionalidade da Lei. Segundo afirmou, não procede o argumento de que a norma em vigor vá na contramão dos compromissos internacionais e ambientais subscritos pelo Estado Brasileiro.
Conforme discorreu, a medida de proteção ambiental garantida pela lei foi amparada em estudos técnicos que a subsidiaram e consequentemente evidenciaram o impacto sistêmico que poderia ser causado na bacia hidrográfica do Cuiabá e no Pantanal caso a mesma fosse derrubada.
“Portanto, a Lei nº 11.865/2022 do Estado do Mato Grosso ao vedar a construção de Usinas Hidrelétricas – UHEs e Pequenas Centrais Hidrelétricas – PCHs ao longo da extensão do Rio Cuiabá, exerceu, de forma constitucionalmente legítima, a sua competência concorrente para promover a proteção ao meio ambiente estadual”, votou o ministro.
Os outros membros da Corte Suprema que ainda não proferiram os respectivos votos têm até o dia 5 de março, data final a sessão, para se posicionarem sobre o julgamento da ADI.