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Notícias / Entrevista da Semana

Juiz-membro do TRE/MT polemiza e aponta que a Justiça Eleitoral age com dois pesos e duas medidas

Da Redação - Katiana Pereira

“Se mudarmos a nossa legislação eleitoral, tirarmos os nomes das pessoas que estão sendo julgadas, colocarmos números ou símbolos de identificação e aplicarmos a legislação igual para todos iremos fazer um limpa nos processos eleitorais”. A colocação é do juiz-membro do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso, o advogado José Luis Blaszak.

O juiz acredita que o grande problema da Justiça Eleitoral não é falta de legislação, mas sim a não aplicação da já existente. Em entrevista ao Olhar Jurídico, Blaszak apontou brechas perigosas na lei da Ficha Limpa e mostrou ser  contra a atual proposta de reforma política.

“A idéia de fazer um primeiro turno, com a proposta de votar primeiro nos partidos é totalmente inócua, e, pra mim é um projeto que já nasce morto”, comentou. 

José Luis Blaszak é advogado, juiz membro do TRE/MT - biênio 2012/2013, professor de Direito Administrativo e Direito Eleitoral em Cuiabá - Mato Grosso.

Confira os principais trechos da entrevista

Olhar Jurídico - A “Reforma Política Já”, apelidada de "Eleições Limpas", é liderada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE). O senhor acredita que o projeto é uma continuação das ideias que nortearam a elaboração da Lei da Ficha Limpa?


José Luis Blaszak - Sem dúvida ela tem haver com a Lei da Ficha Limpa, até por conta da parceria com o MCCE, que fez com que as duas instituições pudessem pensar sobre uma continuidade na ideia da reforma política. Então eu tenho a impressão que esse é um segundo passo.

Olhar Jurídico – O senhor considera que o projeto atende aos anseios da população, que nas recentes manifestações, por exemplo, demonstrou rejeição à representatividade dos partidos?

José Luis Blaszak – Eu discordo veementemente do projeto apresentado recentemente sobre a questão de dois turnos para as eleições proporcionais. Por que a ideia de fazer um primeiro turno, com a proposta de votar primeiro nos partidos é totalmente inócua e pra mim é um projeto que já nasce morto.

Uma pesquisa da Organização Não Governamental Transparência Internacional revela que 81% dos brasileiros acreditam os partidos políticos são corruptos. O Congresso Nacional aparece em seguida como a instituição mais desacreditada do país, com 78%.

O estudo faz parte de um barômetro global 2013, datado de 9 de julho deste ano. Então, se temos uma pesquisa que indica que 81% dos brasileiros não acreditam nos partidos e nos políticos, como é que vou fazer um projeto de lei que visa, em primeiro turno, votar só nos partidos?

Não haverá interesse algum da população em votar nos partidos e depois nos candidatos. Então, penso que a iniciativa foi muito boa, a mobilização foi exemplar, mas, infelizmente, a propositura do projeto é natimorto..



Olhar Jurídico – Como o judiciário age para julgar e punir candidatos que abusam do poder econômico?

José Luis Blaszak
- Na verdade, nós temos prestações de contas muito rigorosas para pequenos e muito flexível para grandes. Se fizermos uma estatística iremos concluir que houve cassações por abuso de poder econômico, calçado em prestação de contas, de muitos candidatos a vereadores e prefeitos.

Mas, se observarmos, vamos ver que o mesmo não se aplica aos deputados, governadores, senadores e muito menos presidente da república. Nenhum desses foi cassado por abuso de poder econômico fundamentado em prestação de contas que foi burlada.

Temos horrores, escândalos de prestações de contas e que não são suficientes para a cassação. Infelizmente, o sistema judiciário eleitoral no Brasil inteiro tem dois pesos e duas medidas e isso deve acabar, pois favorece a corrupção.

Não podemos criar um tratamento diferente, tirar essa isonomia do olho judicial sobre o processo em que o candidato por ser pequeno, não tem uma boa defesa, uma boa articulação jurídica padece sobre as vozes da lei.
Olhar Jurídico - Quais os principais pontos do Projeto de Reforma Política?

José Luis Blaszak
- A legislação que nós temos a partir da própria Constituição Federal e da lei 9.504/94, a chamada lei das eleições, a lei dos partidos e a posterior lei da Ficha Limpa são suficientes para termos um processo eleitoral que alcance a eficiência de eleições limpas e com representatividade.

O que acontece, é que o Poder Judiciário Eleitoral no Brasil, que vai desde os juízes singulares, passa pelos Tribunais Regionais Eleitorais e chega ao Tribunal Superior Eleitoral, todos eles são flexíveis.

Quem é que está sendo julgado? Se mudarmos a nossa legislação eleitoral e tirarmos os nomes das pessoas que estão sendo julgadas e colocarmos números ou símbolos de identificação e aplicarmos a legislação igual para todos iremos fazer um limpa nos processos eleitorais.

Mas, historicamente nós não temos isso. Não é a lei que tem que mudar, mas sim a cabeça de quem julga. A partir disso as conseqüências dos julgamentos irão repercutir nos partidos políticos e nas escolhas de seus candidatos.

Olhar Jurídico – Como essa mudança iria influenciar na escolha dos partidos?

José Luis Blaszak
– Qual é o partido político, que tenha o respeito profundo pelo Poder Judiciário do Brasil, e que visse que, de fato, não haverá flexibilidade para aquele que desrespeita a lei, qual o partido que tendo alguém declaradamente ficha suja iria investir as suas expectativas nesse cidadão?

Mas, infelizmente, se aposta na impunidade, em julgamentos diferenciados baseados nos nomes de quem está na capa dos processos. Isso é o que contamina o processo.

Olhar Jurídico – Nesse contexto, a lei da Ficha Limpa tem tido afeito prático?

José Luis Blaszak
– Ela teve um procedimento bem respeitado nessa eleição de 2012. Em 2010, teve algumas partes que não foi respeitada. Realmente, ela barrou muita gente ficha suja. Porém, atuando no Tribunal Regional Eleitoral de nosso Estado eu pude constatar que ficou uma brecha muito importante e perigosa, porque ela não abarcou os gestores com contas de gestão reprovadas.

Olhar Jurídico – Explique mais essa brecha.

José Luis Blaszak
- Nós temos dois tipos de contas para o gestor, contas de governo e contas de gestão. As contas de governo são as conta que são aplicadas na macro política, é aquilo que se percebe na aplicação do percentual da educação, por exemplo. E, portanto se faz um julgamento da macro política.

Já a micro política vai ser exatamente aquilo que nós temos verificado nos projetos de gestão e aplicação dos recursos públicos, onde estão os processos de licitação, esses processos são julgados pelos Tribunais de Contas e eles são chamados contas de gestão.

As contas de governo são jogadas nas câmaras dos vereadores, assembleias estaduais e federais. Então, o Legislativo julga as contas do Executivo, por meio das contas de governo. As contas de gestão são julgadas pelo Tribunal de Contas como instância única.

Olhar Jurídico – Qual o prejuízo prático nesse processo?

José Luis Blaszak
– Acontece que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu que para efeito da aplicação da Ficha Limpa, todas as contas deveriam ser julgadas pelo Legislativo, contas de gestão e contas de governo.

Como as contas de gestão não foram julgadas em nenhum Legislativo brasileiro, tivemos o deferimento do registro de candidatura de milhares de candidatos a prefeito ou a vereadores, que tiveram processos no exercício de presidência das câmaras, por exemplo, por contas de gestão que o legislativo não julgou.

Deste modo, esses processos não poderiam barrar os registros. Aqui mesmo, em Mato Grosso, tivemos dezenas de prefeitos que tinham mais de 30 processos por improbidade administrativa por contas de gestão e tiveram os registros deferidos.

Olhar Jurídico- Existe algum projeto em andamento para barrar essa brecha?

José Luis Blaszak
- Essa situação ainda continua. Eu participei de um encontro em Brasília sobre os Tribunais Eleitorais em que se está tentando, via decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), dizer que essa decisão em sede de Tribunal de Conta, possa servir sim como possibilidade de impedir o registro de candidatura.

Mas, isso não é nada concreto, e, portanto, ainda poderemos ter em 2014, muitos candidatos a deputados, governadores com contas de gestão reprovadas e ter o registro deferido.

Olhar Jurídico – E como funciona a questão das contas de campanha?

José Luis Blaszak
- Foi decidido pelo TSE em 2010 e 2012 que as contas de campanhas reprovadas, não seriam obstáculos para o registro de candidaturas, e, agora, ainda vamos além. Há um projeto na Câmara Federal que vai flexibilizar bastante a documentação da prestação de contas. Estamos caminhando para uma roupagem pró-forma da prestação.

Entendo que, se alargar as possibilidades de uma prestação de contas não rígida, mas com consequências rígidas, nós teremos uma prestação de contas pró-forme, em que pese via câmara dizer que o controle será feito por meio de transações eletrônicas bancarias.

Até este ponto eu concordo. Não precisamos hoje ter muito papel. Os comprovantes de transações bancárias são suficientes. Agora, daí para suprimir algumas exigências eu acho que é perigoso. Vejo que as medidas adotadas até agora são rígidas no procedimento, mas não são rígidas no julgamento e o pior, não é rígido na sua exigência após o julgamento.

Olhar Jurídico – Esse sistema atual, que não pune os candidatos por reprovação nas contas de campanha, não facilita a burla no processo eleitoral?

José Luis Blaszak
- A comprovada irregularidade na prestação de contas, que é reprovada, com documentação farta nos indícios de que houve um caixa dois, burla ao sistema de despesa de campanha, já seriam suficientes para instruir um processo de cassação por abuso de poder econômico.

Temos prestações reprovadas com mais de 50% de contas sem comprovação, mostrando o abuso econômico, que é comprar voto e burlar todo o sistema de competição. No ideal sistema significa que eu e você temos ter as condições iguais para arrecadar e prestar contas desse dinheiro.

Olhar Jurídico - O senhor concorda que as empresas têm de ser excluídas do processo de lançar candidatos?

José Luis Blaszak -
Sou contra a participação das empresas no financiamento. Pois as empresas incham fundamentalmente os candidatos com recursos financeiros que é desproporcional para quem não tem esse contato.
Sem dúvida alguma as empresas que investem em candidatos, não investem pura e simplesmente por bandeira política dos proprietários. Vemos que essas são sempre empresas que envolvem em processos licitatórios.

No entanto, eu respeito os dirigentes de federações, bancos indústrias, levantando ideologias políticas e isso é salutar, pois querem planos de governo para toda uma categoria. Agora, possibilitar que eles possam participar de processos licitatórios me parece uma contaminação dos processos.

Entendo que o financiamento público teria que ser muito bem delineado e controlado, a fim de que todos tenham as mesmas armas para brigar no período eleitoral, pois, do contrário, iremos possibilitar para aquele que for mais esperto, terá mais acesso aos recursos e ainda fará o caixa dois. Vai continuar a desproporção.

Olhar Jurídico – Existe alguma situação que pode ser aplicada no Brasil, sem prejuízos ao processo eleitoral?

José Luis Blasza
k - Eu não consigo vislumbrar no Brasil de hoje algo que possa ser genuinamente sadio em termos de financiamento. Se colocarmos apenas as pessoas físicas como doadores, nós só iremos retirar o nome da empresa e colocar o nome dos proprietários.

O problema no Brasil não é o financiamento por pessoa física, empresa ou pública, o problema é o princípio, a corrupção, é a tradição que está enraizada, ou seja, de burlar e corromper o processo eleitoral. Todos querem tirar vantagem para estar à frente no processo de forma a comprar voto.

Olhar Jurídico - Então não se faz nada?

José Luis Blaszak -
Eu acho que tem que fazer algo sim, mas independente do modelo, o que deve se fazer é arrojar o controle, a fiscalização, punição. Não adianta fazer um sistema ideal no Brasil se não se fizer uma reforma radical no processo eleitoral judicial.

Olhar Jurídico – Estamos em processo para escolha de advogados para atuarem como juízes-membros do TRE, tal qual o senhor também foi escolhido no passado. Qual a sua análise sobre esse processo?

José Luis Blaszak -
Esse modelo, onde temos a possibilidade de um Tribunal de segunda instância, composta por desembargadores, juízes togados da Justiça estadual e federal, e ainda membros da advocacia, e que essa composição é temporária, retornando todos após o seu período para as suas funções anteriores, deve ser repensado.

Isso deve ser repensado, pois essa composição não tem a mesma força de uma composição de um Tribunal de Justiça na sua essência. Não vejo como saudável essa temporariedade, se for, que seja por mais tempo, pelo menos por quatro anos.

Olhar Jurídico – Qual o maior benefício nessa participação do pleno do TRE?

José Luis Blaszak
– O mais importante é o aprendizado do Direito, aprimoramento, experiência. Eu ainda sonho com uma Justiça Eleitoral permanente, e que possa ser de fato composta dessas mesmas classes e aumentando a participação do Ministério Público também, assim como são os modelos dos Tribunais Judiciais.

Atualmente, a Justiça Eleitoral é uma justiça diária, não há mais como se pensar que ela julga de dois em dois anos. Estamos na metade de 2013 e nós ainda estamos julgando processos de 2012 e alguns de 2010. Por isso, acredito que ela possa ter uma composição permanente e assim criar jurisprudências.

Olhar Jurídico- Para os advogados que pensam em participar do processo para membro da Justiça Eleitoral a contrapartida é válida?

José Luis Blaszak
– Estamos em um processo de escolha e serão três advogados para atuarem no ano que vem. O grande desafio é fazer com que os advogados se interessem e se inscrevam para fazer parte do Tribunal.

Neste ano, nós tivemos só quatro inscrições, em um estado que movimenta centenas e centenas de processos. Pela primeira vez, eu pelo menos não tenho informação de outra situação desse tipo, um advogado do interior está concorrendo. Os advogados do interior deveriam participar mais.

Acredito que eles não se encorajam em participar, pois, também, temos um problema com a contrapartida, nós ganhamos por sessão, o limite de oito sessões e temos um vencimento líquido de R$ 4,8 mil por mês, para atuar com status de desembargador e com muita responsabilidade para a sociedade.

Olhar Jurídico - Recentemente o Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou que cabe aquele Tribunal investigar os parlamentares, o senhor partilha dessa afirmação? Essa decisão muda o rumo da política nacional?

José Luis Blaszak
- Muda algumas coisas, pois existe um peso muito grande do STF presidir um inquérito contra qualquer político. Ele tem um peso substancial, pois é a última instancia. Já nos tribunais iniciais sempre se tem a ideia que o STF vai corrigir. Então, me parece que os julgamentos que iniciam ali, além de estar composto por uma corte de autoridades de grande julgamento técnico e jurídico, irão sim mudar muitas situações.

Então, havendo dentro dos inquéritos, ainda que seja citado o nome de algum parlamentar, o STF pode sim avocar esse inquérito, sem passar por uma instância menor, é um grande avanço sim.

Réplica
A desembargadora Maria Helena Gargaglione Póvoas, corregedora Regional Eleitoral de Mato Grosso, divulgou uma nota de esclarecimento sobre as declarações do juiz-membro do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso, José Luiz Blaszak
Confira:
Corregedora do TRE rebate afirmações de juiz em entrevista e garante que instituição não é parcial

Atualizada e revisada às 16h19
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