Vara Especializada em Ações Coletivas da Comarca de Cuiabá determinou o cancelamento definitivo da indisponibilidade que recaía sobre um imóvel rural de matrícula nº 6.911, registrado no 1º Serviço de Registro de Imóveis de Juara. A decisão reconheceu que o atual possuidor, Gentil Soares, havia adquirido o bem de boa-fé em 23 de junho de 2000, cerca de vinte anos antes da medida judicial de bloqueio, determinada em 21 de fevereiro de 2020, no âmbito de processo envolvendo o ex-deputado estadual José Riva.
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O ponto central da discussão foi a legitimidade da constrição judicial imposta sobre o imóvel, uma vez que o comprador alegava ser terceiro de boa-fé, sem relação com o processo em que foi determinada a indisponibilidade.
Compra anterior à restrição
Nos autos, Gentil Soares afirmou que comprou o imóvel de Deolindo Batista Ribeiro, que, por sua vez, o havia adquirido do antigo proprietário, José Riva. O comprador relatou ser “pessoa simples e de poucos estudos” e disse ter acreditado que o contrato de compra e venda bastava para garantir-lhe a posse e a propriedade, motivo pelo qual não realizou a escritura pública nem o registro da transferência.
José Riva, ouvido no processo, confirmou o contrato de compra e venda original, datado de 10 de abril de 1990, firmado em favor de Deolindo Batista Ribeiro, e declarou “total desinteresse no presente feito”.
O Ministério Público do Estado de Mato Grosso (MPE), contudo, contestou o pedido, sustentando que não havia “prova idônea” de que Riva tivesse transferido a propriedade do imóvel ao vendedor de Soares.
Posse de boa-fé reconhecida
Ao analisar o caso, o juiz Bruno D’Oliveira Marques concluiu que o acervo probatório demonstrava a posse de boa-fé de Gentil Soares, em data muito anterior à ordem de indisponibilidade.
Embora o Código Civil preveja que a propriedade só se transfere com o registro no cartório de imóveis, o magistrado aplicou entendimento consolidado na jurisprudência para proteger o comprador de boa-fé.
A sentença destacou que “a formalidade do registro não deve ser interpretada de forma absoluta”, reconhecendo a validade das relações de fato quando comprovada a aquisição lícita.
O juiz citou entendimento amparado na Súmula 84 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), segundo a qual é possível a interposição de embargos de terceiro por quem detém a posse do imóvel, ainda que a compra e venda não tenha sido registrada, desde que comprovada a boa-fé e a posse efetiva.
No caso concreto, o contrato de compra e venda foi celebrado cerca de 20 anos antes da medida de constrição judicial.
Com base nas provas apresentadas, o magistrado julgou procedentes os pedidos de Gentil Soares, confirmando decisão liminar que já havia suspendido a indisponibilidade e determinando seu cancelamento definitivo.
A sentença também observou que a manifestação do Ministério Público não apresentou elementos capazes de afastar as provas da aquisição anterior e da boa-fé do comprador.
Apesar do êxito no mérito, Gentil Soares foi condenado ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, conforme previsto na legislação processual.