Fazenda de R$ 80 milhões por R$ 70 mil, divórcio armado e constituição de fundo para desviar montantes milionários que deveriam ser renegociados no processo de recuperação judicial: a desembargadora Marsilsen Andrade Addario, do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), mandou afastar imediatamente o ex-prefeito de Sorriso Dilceu Rossato e seu sócio, Pedro de Moraes Filho, das sociedades que integram o conglomerado do agro, Grupo Safras, e o núcleo Randon – constituído pela esposa de Dilceu, Catia Regina Randon Rossato. Decisão foi proferida na última quinta-feira (4).
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Desde que entrou em recuperação judicial, em abril deste ano, o Grupo Safras entrou em meio a uma série de problemas para renegociar o passivo de R$ 1.7 bilhão – principalmente ações dos credores que acusavam o conglomerado de não cumprir diversas obrigações contratuais. Agora, a acusação é bem mais grave e evidencia possível rede de ocultação patrimonial arquitetada por Dilceu, Cátia, Pedro e os filhos do casal.
A medida foi tomada após análise de documentos que apontam indícios de confusão patrimonial entre os dois grupos e possíveis fraudes relacionadas ao fundo de investimento Bravano FIDC, constituído exatamente para receber de volta os valores que deveriam ser quitados aos credores, uma vez que seus principais acionistas são Dilceu e Pedro.
Ainda conforme o processo, o Bravano teria adquirido títulos do Grupo Safras com deságio expressivo. Além disso, o fundo ajuizou execuções extraconcursais contra a própria Safras e deliberou sua liquidação antecipada, transferindo créditos e garantias fiduciárias aos cotistas — os mesmos que controlam, ao mesmo tempo, as empresas devedoras.
O processo envolve questionamentos sobre a legalidade da separação patrimonial entre os grupos Safras e Randon. Documentos apresentados indicam que sócios Dilceu e Pedro, ligado às empresas, declararam participações de R$ 25 milhões e R$ 25,13 milhões, respectivamente, no Bravano FIDC sem comprovação da origem dos recursos.
A transferência de valores significativos para contas pessoais de membros da família Randon Rossato, posteriormente utilizados no pagamento de despesas do Grupo Safras, também foi examinado pela magistrada. Essa movimentação levantou dúvidas sobre a alegada autonomia entre os grupos empresariais, sobretudo porque o real patrimônio que deveria ser renegociado foi completamente dissolvido para, posteriormente, ser devolvido ao clã familiar.
A Justiça também levou em consideração a constituição da empresa Agro Rossato Ltda., formada por membros da família Rossato em 2023, com a integralização de diversas fazendas avaliadas em valores muito abaixo dos de mercado. Para se ter exemplo, documento apresentado no processo mostra que uma fazenda avaliada em R$ 86.151.544,47 foi integralizado ao capital social da família por R$ 70.096,99, o que, para a desembargadora, representa situação extrema que configura fraude.
Além da Fazenda Joia, também foram transferidas para a Agro Rossato a Fazenda Rio do Mel, a Fazenda Tropical, a Fazenda Laranjal e a Fazenda Carol, todas situadas em Mato Grosso. Em fevereiro de 2024, a Fazenda Rio do Mel foi dada em garantia hipotecária no valor de R$ 64 milhões para cobrir dívidas das empresas Safras Armazéns Gerais, Safras Agroindústria, Safras Indústria e Comércio de Biocombustíveis e RD Comércio e Representações. Para a magistrada, essas operações revelam confusão patrimonial entre os grupos e contradizem a alegação de independência entre eles, os quais apontaram que teriam se divorciado.
O divórcio “fake” foi constatado a partir das declarações à Receita Federal e a integralização das empresas. A separação foi formalizada em agosto de 2024 e, mesmo assim, declararam no imposto de renda a exploração conjunta das fazendas, bem como firmaram contrato de composse rural em janeiro de 2024, compareceram juntos à hipoteca da Fazenda Rio do Mel em fevereiro e assinaram, em agosto, opção de venda de participações do Núcleo Safras em favor do Núcleo Artesanal-Flow.
A decisão também destacou movimentações financeiras que reforçam a suspeita de ausência de separação entre os grupos. Extratos bancários indicam que valores contratuais de R$ 3,43 milhões da Engelhart CTP foram transferidos para a conta pessoal de Caroline Randon Rossato, filha de Dilceu Rossato e Cátia Regina Randon. Parte desses recursos, no total de R$ 141,2 mil, foi usada para pagar a folha de salários de funcionários das empresas do Grupo Safras.
Entre as medidas cautelares, a Justiça decretou a indisponibilidade de bens e ativos das sociedades do Grupo Safras e dos empresários individuais ligados ao Núcleo Randon. Também foi determinada a expedição de ofícios ao Tribunal de Justiça de São Paulo, para suspender execuções extraconcursais em trâmite nas varas cíveis da capital paulista, e à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), para suspender a liquidação antecipada do Bravano FIDC.
Por fim, a desembargadora revogou a decisão que havia deferido o processamento da recuperação judicial do Núcleo Randon. A perícia já designada no processo foi mantida, mas agora ampliada para todas as empresas e pessoas físicas envolvidas, incluindo o Grupo Safras. O interventor nomeado deverá se manifestar sobre a aceitação do cargo, e seus honorários serão definidos levando em conta a complexidade do caso e a capacidade financeira das empresas em recuperação.