Um novo laudo será confeccionado para tentar esclarecer a real causa da morte de Lucas Veloso, jovem aluno que morreu em fevereiro do ano passado durante um treinamento para o Corpo de Bombeiros na Lagoa Trevisan, Cuiabá. A ordem foi proferida nesta quarta-feira (19) pelo juiz Moacir Rogério Tortato, da 11ª Vara Criminal de Cuiabá, durante audiência de instrução das testemunhas de defesa do capitão Daniel Alves e do soldado Kayk Gomes Santos, acusados de terem praticado homicídio qualificado contra Lucas.
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Os dois peritos que confeccionaram a necrópsia de Lucas serão inquiridos pela Justiça a pedido de um dos juízes militares que integra o conselho de sentença da Vara, o que também já havia sido requisitado pela defesa dos réus.
Ao
Olhar Jurídico, a advogada do capitão, doutora Priscila Alves dos Santos Porto explicou que os novos depoimentos e nova perícia será importante para esclarecer algumas circunstâncias do caso, como o uso de remédios por Lucas, o que não foi detectado em exame farmacológico após o óbito, a questão de uma deformidade pulmonar identificada na necrópsia e a cardiopatia, pois segundo teste ergométrico, ele teria arritmia.
Para a defesa dos réus, ao contrário do que afirma o Ministério Público na denúncia, Lucas Veloso pode ter tido um mau súbito antes de se afogar na lagoa, negando que Daniel e Kayk teriam supostamente aplicado diversos caldos e afogado propositalmente o aluno, causando sua morte.
Audiência desta quarta inquiriu nove testemunhas arroladas pela defesa, dentre elas, o marido da capitã Isadora Ledur, que também enfrentou duas denúncias por casos semelhantes, o do aluno Rodrigo Claro, que também morreu na Lagoa Trevisan, e de Maurício Júnior, supostamente torturado ali.
Apenas dois bombeiros inquiridos ontem estavam presentes no momento que Lucas morreu. A 3º Sargento BM Pábola Racki estava no barco para dar apoio aos alunos e com seu celular fez as últimas imagens de Lucas, ainda com vida, ao lado do Capitão Alves. Depois, supostamente por ordem do capitão, ela e o restante do grupo se afastaram. Lucas teria ficado com os dois réus para trás.
Todas as testemunhas de defesa refutam a versão de homicídio e confirmam que nunca viram Daniel ou Kayk agirem com excessos e fora dos padrões legais da profissão. Inclusive, a sargenta Racki fotografou Lucas no dia e confirmou à Justiça que não percebeu que ele poderia estar exausto ou apresentando sinais de desgaste físico, tampouco que Daniel ou Kayk lhe submeteram a sessões de afogamento.
Os réus Daniel e Kayk deveriam prestar os depoimentos ainda ontem, mas diante da necessidade da realização das novas diligências, eles serão inquiridos na próxima audiência do caso marcada para o dia 22 de maio para a conclusão da instrução depoimento dos peritos.
Defesa, acusação e assistência agora têm 10 dias para apresentar quesitações para que esclareçam o que precisa ser concluído no processo para, finalmente, ouvir os interrogados.
Em novembro passado, a Justiça Militar de Cuiabá ouviu seis testemunhas de acusação. De acordo com o Ministério Público de Mato Grosso, os denunciados mataram a vítima mediante asfixia por afogamento em situação de serviço. O crime aconteceu em fevereiro de 2024, durante um procedimento de instrução de salvamento aquático realizado na Lagoa Trevisan, na capital.
Na denúncia, o MPE requereu ainda a fixação de valor mínimo para reparação dos danos causados em favor dos familiares da vítima. “Em R$ 700 mil a ser arbitrado em desfavor do denunciado Cap BM Daniel Alves de Moura e Silva, ainda que inestimável a vida do ofendido, e no montante de R$ 350 mil a ser fixado em face do increpado Sd BM Kayk Gomes dos Santos, ainda que inestimáveis o sofrimento e a dor dos familiares” requisitou o promotor de Justiça Paulo Henrique Amaral Motta.
Acusação sustenta que Daniel foi o responsável por comandar a atividade prática de instrução de salvamento aquático, tendo como monitores o codenunciado Kayk Gomes dos Santos e o Sd BM Weslei Lopes da Silva. Inicialmente o capitão determinou que os alunos se organizassem em grupos de quatro militares para realizar uma corrida de cerca de um quilômetro e, na sequência, atravessar o lago a nado.
Conforme a dinâmica proposta, a cada dois alunos, um deveria portar o flutuador do tipo Life Belt. Nessa divisão, Lucas Veloso Peres ficou com a missão de levar o equipamento. Após percorrer aproximadamente 100 m da travessia a nado, o aluno passou a ter dificuldades na flutuação e parou para se recompor, utilizando o Life Belt.
Supostamente desconsiderando o estado de exaustão do soldado, o capitão determinou que ele soltasse o flutuador e continuasse o nado. A vítima tentou dar prosseguimento à atividade por diversas vezes, voltando a buscar o flutuador em razão das dificuldades.
O capitão insistiu para que o soldado soltasse o equipamento de segurança, proferindo ameaças, até que determinou ao codenunciado Sd BM Kayk Gomes dos Santos que retirasse o flutuador da vítima. O monitor retirou o Life Belt da vítima e lhe deu “vários e reiterados caldos”. Desesperado e com intenso sofrimento físico e mental, a vítima passou a clamar por socorro e pedir para sair da água.
O capitão, que estava em uma prancha, desceu do equipamento, ordenou que os alunos continuassem a travessia e disse que supervisionaria a vítima. Ele se posicionou à frente do aluno quando percebeu que ele submergiu. Ao retornar à superfície, o Sd BM Lucas Veloso Peres estava inconsciente. A vítima foi colocada na embarcação e imediatamente constatada que “não havia pulsação carotídea, e, portanto, havia entrado em parada cardiorrespiratória”. O aluno faleceu no local.