O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB) entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) que questiona trechos do Pacote Anticrime sobre o monitoramento das conversas entre presos e advogados nos parlatórios (local de encontro entre a pessoa presa e o visitante) das penitenciárias de segurança máxima. Questionamento levado ao STF é semelhante ao feito pela seccional mato-grossense da OAB, presidida por Gisela Cardoso, a qual repudiou declaração feita pelo atual Procurador-Geral de Justiça de Mato Grosso, Deosdete Cruz Júnior, o qual, além de afirmar que advogados atuam como “pombos-correios” de criminosos, sugeriu a gravação das conversas entre os profissionais e clientes faccionados.
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A Ação Direta de Inconstitucionalidade foi distribuída ao ministro Alexandre de Moraes, que, em razão da relevância da matéria, decidiu levar o caso diretamente ao Plenário, sem exame prévio do pedido de liminar, e requereu informações às autoridades envolvidas.
Sancionado em 2019, o Pacote Anticrime (Lei 13.964) trouxe diversas alterações no âmbito penal. As atualizações incluem mudanças na Lei de Execução Penal, de 1984, e nas regras sobre transferência, inclusão e monitoramento dos presos, com novos mecanismos de fortalecimento do combate ao crime organizado.
Um dos trechos da lei que a OAB põe em xeque estabelece que, no regime disciplinar diferenciado, os detentos deverão ter todas as atividades monitoradas por áudio e vídeo, exceto nas celas ou durante as entrevistas de seus advogados – “salvo expressa autorização judicial”.
Na ação, a OAB pede que o STF reconheça a inconstitucionalidade da parte das normas que afasta a garantia do sigilo entre advogado e cliente. O órgão defende que as comunicações entre eles só sejam monitoradas quando houver indícios de que o advogado esteja envolvido em atividades criminosas. Também pede que as autorizações judiciais para quebra da confidencialidade sejam limitadas e individualizadas.
Segundo a entidade, o exercício da advocacia depende da preservação do sigilo profissional. “Isso é o mesmo que colocar a advocacia no banco dos réus e anular o direito de defesa inerente a todos os cidadãos processados e submetidos a penas restritivas”, diz.
A ação diz que as autorizações previstas na redação atual da lei se chocam com o direito ao silêncio dos detentos e com os princípios constitucionais da razoabilidade e proporcionalidade e da ampla defesa.
A fala de Deosdete foi feita durante o lançamento do programa “Tolerância Zero Contra o Crime Organizado”, lançado no final de novembro pelo Governo de Mato Grosso. Na ocasião, os poderes debateram medidas de endurecimento da segurança pública no estado, sobretudo para coibir ações de membros de facção de dentro dos presídios. Foi quando Deosdete apontou que advogados atuariam como pombos-correios de criminosos e, para isso, sugeriu a gravação das conversas.
“Essas pessoas [criminosos] continuam falando lá de dentro com, muitas vezes, advogados que usurpam dessa função, que são pombos correio do crime. O advogado que está atendendo um faccionado tem que ter a sua conversa gravada para o bem da sociedade [...] Nós estamos em plena desvantagem. Eu vejo o esforço do Poder Executivo, eu vejo o esforço do Poder Judiciário, eu vejo o esforço do Ministério Público. Os nossos clientes estão todos presos, salvo raríssimas exceções. Essas pessoas continuam falando lá de dentro com, muitas vezes, advogados que usurpam dessa função, que são ‘pombos-correios’ do crime”, disse Deosdete.
A fala do PGJ gerou muita polêmica entre membros da advocacia, sobretudo na Ordem dos Advogados do Brasil, que, inclusive, ajuizou contra ele um pedido de explicações.
Contra tal declaração, que gerou muita polêmica entre a advocacia e o Ministério Público, a presidente da OAB-MT, Gisela Cardoso, ressaltou que não se pode admitir que um direito do cidadão e uma prerrogativa da advocacia seja relativizada.
“O sigilo advogado/cliente é absoluto, representa a garantia dos direitos fundamentais, as garantias constitucionais do cidadão. Mais do que discordar, lamento profundamente o comentário do procurador. Não vamos admitir esse tipo de sugestão”, afirmou