Inconformado com a condenação de 136 anos pela trágica “Chacina de Sinop”, que ceifou covardemente a vida de sete pessoas, incluindo uma menina de 12 anos, Edgar Ricardo de Oliveira ajuizou recurso de apelação pedindo anulação da sentença, um novo júri, que sua pena seja redimensionada e que tenha que pagar indenização no valor mínimo possível.
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Em apelação criminal apresentada na última sexta-feira (22) à 1ª Vara Criminal de Sinop, a Defensoria Pública destacou violação ao artigo 210 do Código de Processo Penal, que prevê a incomunicabilidade das testemunhas durante o julgamento.
Segundo o defensor Ricardo Bosquesi, o julgamento transmitido ao vivo pelo canal do YouTube do Tribunal de Justiça do Mato Grosso (TJMT) comprometeu toda integridade do processo, permitindo que as testemunhas pudessem acessar o conteúdo dos depoimentos umas das outras. Esse fato, teria impedido a observância da incomunicabilidade, levantando dúvidas sobre a veracidade e imparcialidade dos testemunhos.
Pedido de nulidade em razão da proximidade das testemunhas foi feito no dia do julgamento, em 15 de outubro, mas a juíza que presidiu a sessão o indeferiu, salientando que não ficou provado o prejuízo causado ao exercício defensivo. Apesar da negativa, o argumento é que a violação à incomunicabilidade feriu a norma processual.
Amplamente divulgado, o julgamento teve mais de 100 mil visualizações, inclusive duas mil simultâneas. Apesar da negativa da juíza sobre o pleito, o defensor sustentou que exigir prova de prejuízo sobre tal configura “prova diabólica”, uma vez que não seria possível verificar com certeza a influência recíproca entre as testemunhas.
Para corroborar a sustentação, o defensor exemplifica que o Investigador de Polícia Thyago Celestino Pereira, último a ser ouvido, poderia ter ajustado seu depoimento com base nas declarações anteriores. Isso, somado ao impacto da repercussão nacional e à transmissão pública, é utilizado como base para o pedido de anulação do julgamento.
Ricardo Bosquesi também contesta as qualificadoras aplicadas aos homicídios, sobretudo em relação ao motivo torpe e meio cruel. O defensor pontuou que a torpeza foi atribuída de maneira equivocada, já que a acusação descreve os crimes como motivados por vingança após uma disputa em um jogo de sinuca, o que, segundo a tese defensiva, configuraria motivo fútil.
Sobre o meio cruel, sustentou que o uso de uma arma de fogo, ainda que de elevado potencial lesivo, não caracteriza, por si só, a intenção de causar sofrimento adicional às vítimas, mas sim a execução do ato com dolo simples. A defesa ressalta que a confusão entre a brutalidade do fato e o meio utilizado gerou um equívoco na análise das circunstâncias qualificadoras.
No que diz respeito à dosimetria da pena, há apontamentos sobre possíveis erros na valoração das circunstâncias judiciais, como a culpabilidade e as consequências dos crimes. Bosquesi sustentou que o fundamento utilizado para valorar negativamente a culpabilidade – a suposta frieza emocional do réu – não é suficiente para justificar o aumento da pena-base, já que a brutalidade já está incorporada na qualificadora do meio cruel.
Em relação às consequências, questionou as alegações sobre o impacto nos familiares das vítimas Orisberto Pereira de Souza e Josué Ramos Tenório. No caso de Orisberto, o relatório psicossocial indicava que ele não possuía filhos menores, contrariando a sentença que considerou este fato como agravante. Já sobre Josué, a defesa aponta que as consequências emocionais relatadas pelos familiares estavam dentro do esperado para um processo de luto e não ultrapassaram o sofrimento ordinário decorrente de um crime dessa natureza.
Adicionalmente, o recurso requer o reconhecimento da continuidade delitiva, considerando que os homicídios foram cometidos em circunstâncias semelhantes quanto ao tempo, lugar e modo de execução, o que poderia resultar em uma pena mais branda.
Há ainda pedido de a nulidade da condenação ao pagamento de indenização, alegando que esta não foi devidamente fundamentada na sentença, violando dispositivos constitucionais e processuais.
Desta forma, o defensor pediu a anulação da sentença e a realização de um novo julgamento, ou, subsidiariamente, a readequação da pena aplicada ao réu, com base nos pontos levantados.
Edgar foi o responsável por ceifar a vida de sete pessoas, inclusive Larissa Frazão, adolescente de 12 anos que foi atingida pelas costas. Segundo a acusação, a barbárie foi motivada porque ele não se conformou em ter perdido milhares de reais em partidas de sinuca, as quais fora derrotado em todas.
Edgar começará a cumprir a pena provisoriamente. A sessão de julgamento foi presidida pela juíza Rosângela Zacarkim dos Santos. O promotor Herbert Dias Ferreira fez a acusação e o defensor público, Ricardo Bosquesi, a defesa do réu.
No julgamento, realizado no Fórum da Comarca de Sinop, foram ouvidas cinco testemunhas de acusação, sendo uma delas Raquel Gomes de Almeida, mãe de Larissa e esposa de Getúlio Frazão, também assassinado, e três de defesa. Na sequência, Edgar depôs e, em seguida, iniciaram os debates entre defesa e acusação.
O promotor de Justiça pediu ao Júri a condenação de Edgar, que confessou os crimes, com base nos termos da denúncia: homicídios com as qualificadoras de motivo torpe, meio cruel e que resultou perigo comum, e recurso que dificultou defesa das vítimas, por seis vezes (1º, 2º, 3º, 4º, 5º e 6º fatos); homicídio com as qualificadoras de motivo torpe, meio cruel e que resultou perigo comum, recurso que dificultou a defesa da vítima e vítima menor de quatorze anos (7º fato); bem como concurso de pessoas (8º fato); roubo e emprego de arma de fogo (9º fato).
O defensor, por sua vez, buscou, incessantemente, afastar as qualificadoras requeridas pelo Ministério Público na denúncia. Se embasou em termos técnicos para defender Edgar, no sentido de que ele cometeu homicídios simples, e não qualificados.
Concluídos os debates, a juíza presidente indagou os jurados se estavam aptos a julgar. Ante a resposta afirmativa, ocorreu a leitura dos quesitos. A juíza, então, proferiu a sentença final, condenando Edgar a 136 anos, no regime fechado e sem o direito de recorrer em liberdade.
A Chacina
De acordo com a denúncia, na manhã de 21 de fevereiro de 2023, Edgar Oliveira, acompanhado de Ezequias Ribeiro, apostou dinheiro em jogos de sinuca em um bar da cidade, perdendo cerca de R$ 4 mil para Getúlio Rodrigues Frazão Júnior.
No período da tarde, Edgar retornou ao estabelecimento acompanhado de Ezequias e “chamou a vítima Getúlio para novas partidas de sinuca, também com aposta em dinheiro, ocasião em que perdeu novamente e, de inopino, jogou o taco sobre a mesa, verbalizou com seu comparsa Ezequias que, de imediato, sacou uma arma de fogo e rendeu as vítimas, encurralando-as na parede do bar, enquanto Edgar se dirigiu à camionete e se apossou de uma espingarda”.
Em seguida, Edgar seguiu em direção às vítimas e efetuou o primeiro disparo contra Maciel Bruno, tendo, na sequência, realizado o segundo tiro em desfavor de Orisberto, enquanto o comparsa Ezequias disparou contra Elizeu.
Ele ainda efetuou mais dois disparos, acertando Getúlio e Josue. Adriano e a adolescente Larissa tentaram correr, mas também foram atingidos. As vítimas Maciel Bruno e Getúlio foram alvejadas por Ezequias quando já estavam caídas no chão.