Afastados por suspeita de integrarem esquema de venda de sentenças, os desembargadores Sebastião de Moraes e João Ferreira Filho, e o juiz Ivan Lúcio Amarante, não receberão as verbas de “penduricalhos” (gratificações, benefícios e auxílios), que não compõem os respectivos salários de magistrados. O corte no pagamento foi deliberado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contra os magistrados que sofreram afastamento cautelar no curso de processos administrativos. Procurado, o Tribunal de Justiça (TJMT) confirmou que o trio foi atingido pela decisão do CNJ e, no próximos meses, terão as respectivas folhas descontadas.
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O entendimento do CNJ foi firmado na última terça-feira (8) em sessão ordinária durante julgamento de dois Procedimentos de Controle Administrativo (PCAs) analisados pelo plenário.
No primeiro, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) questiona a suspensão de auxílio-alimentação e moradia de juízes afastados cautelarmente, em face de ato do Tribunal Regional do Trabalho da 1.ª Região (TRT-1). Ao analisar a matéria, a relatora do caso, conselheira Mônica Nobre, julgou que a supressão das verbas em questão não é indevida.
O outro procedimento, instaurado por juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 24.ª Região (TRT-24), requeria do tribunal o pagamento de licença compensatória, gratificação por exercício cumulativo de jurisdição e abono pecuniário de férias. No exame do item, o conselheiro Pablo Coutinho, relator do procedimento, disse que o magistrado já recebe do tribunal regional o “subsídio integral”.
Entretanto, o conselheiro frisou que as verbas pleiteadas pelo juiz possuem natureza temporária e extraordinária, buscando compensar um exercício cumulativo de funções que não estão sendo praticadas.
Na decisão, o relator determinou também a suspensão imediata do pagamento de auxílio alimentação enquanto permanecer o afastamento do magistrado, sem a necessidade de restituição das parcelas pagas. O mesmo entendimento sobre a não obrigatoriedade de reembolso também foi aplicado ao primeiro julgamento.
O entendimento atingiu, desta forma, os desembargadores João Ferreira Filho e Sebastião de Moraes, afastados do Tribunal de Justiça (TJMT) há dois meses pelo Conselho Nacional de Justiça, por suspeita de integrarem esquema de venda de sentenças. Ivan Lúcio foi afastado na última sexta-feira (11) pelos mesmos motivos.
Há possibilidade de que eles pudessem atuar para atender interesses do advogado Roberto Zampieri, assassinado a tiros em dezembro do ano passado. O conteúdo das conversas extraídas do celular do advogado demonstrou a possível ligação entre ele e os magistrados.
João e Sebastião receberam em setembro R$ 79.3 mil e R$ 75.9 mil, respectivamente. João Ferreira Filho recebeu R$ 21.779,50 líquido, referente a folha corrente e R$ 57.588,37 referente a folha complementar.
Sebastião de Moraes embolsou R$ 18.129,34 líquido na corrente e R$ 57.843,43 da complementar. Vale lembrar que o teto constitucional foi fixado em R$ 44 mil para 2024. Apesar disso, os valores referentes à folha complementar, caracterizados como “penduricalhos”, não são descontados sobre o teto.
Os rendimentos da folha corrente são discriminados da seguinte forma: Remuneração Paradigma, que engloba a remuneração do cargo efetivo (vencimento, gratificação de atividade judiciária, vantagem pecuniária individual, adicionais de qualificação, gratificação de atividade externa, de segurança, além de outras parcelas); vantagens pessoais (adicionais por tempo de serviço, quintos, abono permanência e vantagens decorrentes de sentença).
Já os da folha complementar são: vantagens eventuais (abono de um terço de férias, indenização de férias, antecipação de férias, gratificação natalina, serviço extraordinário, substituição, retroativos e outras); indenizações (auxílio-alimentação, auxílio-transporte; auxílio pré-escolar; auxílio-natalidade, auxílio-saúde; auxílio-moradia e ajuda de custo); e gratificações (natalina, de encargo de curso ou concurso e outras).
Somando o total recebido entre setembro e agosto, mês do afastamento, João embolsou R$ 210 mil, enquanto Sebastião, R$ 203.9 mil.
Após a extração dos dados de Zampieri, o Corregedor Nacional, Luis Felipe Salomão, apontou que o advogado atuava como uma espécie de lobista no TJMT, sobretudo influenciando em decisões dos desembargadores Sebastião de Moraes Filho e João Ferreira Filho. O mesmo valou para Ivan Lúcio, que, em 2023, já havia sido alvo de representação junto ao CNJ.
Salomão decidiu afastá-los no dia 1º de agosto por verificar que ambos estariam envolvidos em possível esquema de venda de sentenças na Corte Estadual.
O ministro constatou indícios de que Sebastião e João mantinham amizade íntima com Roberto Zampieri, o qual foi assassinado em dezembro de 2023 com pelo menos dez tiros enquanto saía do seu escritório, em Cuiabá. Com isso, proferiu a liminar que os afastou. As conversas flagradas entre eles corroboraram tais evidências.
A proximidade entre os magistrados e Zampieri os tornaria suspeitos para atuarem em processos patrocinados pelo advogado. Além disso, CNJ sugere que eles recebiam vantagens indevidas (propina) e presentes de elevado valor para julgarem recursos de acordo com os interesses de Zampieri.
Eles foram punidos com o afastamento cautelar, válidos por 90 dias. O Tribunal de Justiça não emitiu um posicionamento oficial e mantém sob sigilo a tramitação das providências adotadas pela corregedoria estadual em face de ambos.