Dois casos envolvendo supostos crimes cometidos durante treinamentos do Corpo de Bombeiros de Mato Grosso têm estratégias defensivas semelhantes: culpar as vítimas por problemas de saúde pré-existentes. As teses são apresentadas pela tenente Izadora Ledur e pelo capitão Daniel Alves.
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Defesa de Daniel Alves apresentou em julho resposta à acusação sobre morte do soldado Lucas Veloso, requerendo sua absolvição sumária. Peça apresenta possíveis doenças pré-existentes que podem ter influenciado na tragédia.
Defesa relata sobre ausência de perícia técnica por médico cardiologista para análise da arritmia que Lucas Veloso possuía. “A análise do fato de o AL SD Lucas Veloso, possuir arritmias quando submetido a atividades de desgaste físico, conforme consta no exame de teste ergométrico fornecido à CBMMT, na fase de apresentação de exames médicos no concurso, não pode ser inobservada, sobretudo, na presente persecução penal”.
Advogados de Daniel Alves relataram ainda que não houve oitiva e localização de médico que receitou medicações de ordem psiquiátrica a Lucas Veloso.
Pedido de absolvição sumária já foi rejeitado pelo juiz Moacir Rogério Tortato, da 11ª Vara Criminal de Cuiabá, no dia 31 de julho.
O crime aconteceu em fevereiro deste ano, durante um procedimento de instrução de salvamento aquático realizado na Lagoa Trevisan, na capital.
Ledur
A tenente Bombeiro Izadora Ledur requereu absolvição em ação sobre suposta tortura durante treinamento. Caso aguarda julgamento na Vara Especializada em Justiça Militar. Defesa traz como um dos argumentos o fato de aluno supostamente ter fraudado edital, não declarando problema de saúde pré-existente.
Consta dos autos que, no início do ano de 2016, entre os meses de janeiro e fevereiro, durante o treinamento de salvamento aquático em ambiente natural do 15º Curso de Formação de Soldado do Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Mato Grosso, realizado na Lagoa Trevisan, a denunciada submeteu o aluno Maurício Júnior dos Santos, que estava sob sua autoridade, com emprego de violência, a intenso sofrimento físico e mental, como forma de lhe aplicar castigo pessoal.
Apesar de apresentar bom condicionamento físico, bem como ter sido aprovado em todas as fases do concurso público para compor o quadro de servidores do Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Mato Grosso, incluindo a etapa TAF (teste de aptidão física), Maurício demonstrou dificuldades na execução das atividades aquáticas, o que era visível a todos os alunos e instrutores.
Segundo ação, em um dos dias de treinamento, após percorrer cerca de 40 metros, a vítima começou a sentir câimbras, sendo auxiliada por outros alunos, tendo, inclusive, recebido uma boia ecológica.
Ocorre que, conforme o MP, já no meio do percurso, a denunciada determinou que os demais alunos seguissem com a travessia, deixando Maurício para trás.
“A partir daí, como forma de aplicar castigo pessoal, a denunciada passou a torturar física e psicologicamente a vítima, quando, além de proferir palavras ofensivas, utilizando a corda da boia ecológica iniciou uma sessão de afogamentos, submergindo-a por diversas vezes”, diz trecho dos autos.
Ato contínuo, ainda conforme o MP, após alguns “caldos”, o ofendido já sem forças para emergir e respirar, segurou os braços de Ledur, implorando para que ela cessasse a atividade. A denunciada, por sua vez, além de a repreender gritando “Você está louco? Aluno encostando em oficial”, só interrompeu a sessão de afogamento quando a vítima perdeu a consciência. Pouco tempo depois, o ofendido acordou desesperado, já nas margens da lagoa, momento em que veio a vomitar bastante água.
“Se não bastasse, mesmo a vítima apresentando esgotamento físico e mental, a denunciada exigia, aos gritos, que Maurício retornasse para a água”. A vítima desmaiou novamente, sendo necessário seu encaminhamento à Policlínica do Coxipó.
Apesar das informações presentes na petição inicial, o Ministério Público apresentou alegações finais requerendo desclassificação do crime de tortura para o crime de maus-tratos durante treinamento.
Em alegações finais após manifestação do MPE, Izadora Ledur aponta que Maurício Junior fraudou edital. Ele seria portador de hipertensão crônica, mas não comunicou o problema de saúde. Ledur reforçar ainda o posicionamento final do MP, de que não há crime de tortura.