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Sexta-feira, 29 de março de 2024

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Condenação Injusta

Ex-agente tenta voltar ao serviço público após ser inocentado por fuga do pistoleiro de Arcanjo

Foto: Reprodução

Ex-agente tenta voltar ao serviço público após ser inocentado por fuga do pistoleiro de Arcanjo
Há 13 anos, Augusto Alexandre de Barros Santa Rita, 43, luta para conseguir ser reconduzido ao cargo de agente prisional no sistema penitenciário de Mato Grosso. Erroneamente, ele foi condenado por facilitar a fuga do ex-policial militar Célio Alves, considerado um dos pistoleiros de João Arcanjo Ribeiro, recapturado dois anos depois em Cáceres (a 220 km da Capital). Dois de outubro, Dia da Condenação Injusta, serve para levantar discussões sobre a prisão de inocentes e a falha do Poder Judiciário.

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Em entrevista ao Olhar Jurídico, Augusto Alexandre conta detalhes do dia da fuga de Célio Alves, registrada em 27 de julho de 2005, na Penitenciária do Pascoal Ramos (hoje Penitenciária Central do Estado - PCE). “Era um dia de visita, domingo. Tudo ocorreu tranquilamente. Não havia ‘burburinho’ de nada onde ele estava preso. A gente sempre ouve nas entrelinhas dos presos, que é ‘para ficar esperto’, que poderia acontecer alguma coisa”, disse.

“Ele [Célio] recebeu visita e os outros presos também. Foi tudo tranquilo, até o momento em que as vítimas foram sair. São dois portões que precisam ser abertos. As visitas se prepararam para sair e a dele também. Neste momento, abrimos o portão para as visitas e ele saiu correndo no meio. Como eu estava na parte de cima, a reação que eu tive foi trancar a grade que abri e sair correndo para tentar auxiliar embaixo. Neste ínterim, ele correu para o fundo da unidade”, lembra.

Na época, a segurança externa era feita pela Polícia Militar. O pistoleiro pulou o muro e entrou em uma caminhonete que estava parada do lado de fora há cerca de 40 minutos.

Com oito anos de serviços prestados, o ex-agente penitenciário já tinha presenciado outras fugas. Diante disso, tinha ciência que os servidores são sempre os primeiros suspeitos. “No momento que o preso fugiu e eu retornei para fazer o relato, eu já tinha em minha mente que eu teria que responder pela fuga dele. O que eu não esperava, era a forma que foi tratado. Eles fizeram o pré-julgamento”.

Augusto conta que ele e os colegas do trabalho foram obrigados a prestar depoimento à Polícia Militar, sem acompanhamento de nenhum advogado. “Como não éramos orientados na época, fomos colocados em uma sala onde foi colhido nosso depoimento. O sub e o diretor da unidade chegaram, porque prontificamos a eles, que são nossos chefes imediatos. Eles nem olharam em nossa cara e também não conversaram conosco para saber do ocorrido”, lembra.

“Entraram direto na cela de dois presos e foram pegar depoimento deles. Mais tarde ficamos sabendo que eles foram coagidos a depor a favor deles e contra nós. A todo momento o subdiretor falava que ‘hoje sairia gente presa dali. Que essa situação não iria ficar assim. Que tinha que limpar o nome do Sistema Penitenciário’. Fomos pré-julgados. As pessoas que deveriam pegar nossos depoimentos e conversar para saber o que tinha acontecido, foram os primeiros a nos acusar”, afirma.
 
Para garantir a lisura da investigação, o ex-servidor e os colegas foram afastados de suas funções operacionais. “Fomos proibidos de entrar na unidade e assim ficou um bom tempo. Eu mesmo passei cinco anos sem pisar no Presídio do Pascoal Ramos, não ia nem na porta porque o diretor da unidade ligou para mim e disse: ‘você está proibido de entrar aqui. É ordem da secretaria’”.

Augusto Alexandre chegou a ser hostilizado por alguns colegas do setor administrativo. Foi aberto uma sindicância e um Processo Administrativo (PAD) que resultou em demissão um ano dois meses depois do episódio. Cerca de 40 dias depois, ele acabou preso.

“Eu estava sem salário e vivendo de ‘bicos’. Recebi uma ligação da Delegacia de Capturas perguntando onde eu estava, pois tinha saído meu mandado de prisão. Esse mandado de prisão foi referente a essa fuga. Ou seja, quase dois anos e meio do ocorrido, já sem salário, exonerado, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso determinou nossa prisão sob alegação de que nós atrapalharíamos o procedimento criminal, uma vez que éramos servidores públicos em exercício e poderíamos coagir as vítimas, os presos que prestaram depoimento contra nós”, diz.

“Quando o Tribunal decretou nossa prisão, nem éramos funcionários públicos. Já havia aproximadamente dois meses que havia saído nossa demissão. Eu já sem salário, vivendo de ‘bico’, fui preso e permaneci na prisão cerca de 42 dias, salvo-engano”, acrescenta.

Os dias atrás das grandes causaram traumas no ex-servidor, que até então, tinha a conduta ilibada. “Fiquei muito abalado psicologicamente com o que aconteceu. Jamais em toda minha vida pensei em passar por aquilo. Por isso, sempre andei certinho no meu trabalho, mantive sempre a lei, o respeito, principalmente admiração pelos meus pares. Nunca maltratei um preso, nunca respondi um processo que fosse contra minha conduta até a época”, pontua.

“Mas infelizmente a fuga em uma penitenciária é inerente a profissão. Ela pode ocorrer, independente ou não da facilitação do agente público por negligência, falha técnica, ou pela fragilidade do local que contribui e muito. Mas me causou muitos traumas, inclusive para minha família. Eu quase perdi meu filho mais velho para a ‘bandidagem’. Meu filho não acreditava mais em justiça. Até hoje tem dificuldades por conta dessa situação que passei. Tem sido dias difíceis porque eu realmente não me sinto justiçado”, lamenta.

Augusto e os colegas conseguiram provar a inocência anos depois. Em decisão do dia 10 de julho de 2019, a Terceira Câmara Criminal absolveu, por unanimidade, o ex-agente penitenciário. “Digo que você tem sempre que acreditar. Não deve ter medo de nada, tem que correr atrás, procurar a sua inocência. Se eu tivesse desistido, tinha deixado o criminal me condenar”.

No administrativo, ele não consegue provar sua inocência mesmo com absolvição. “Na Justiça criminal eu me sinto realizado, pois consegui provar minha inocência, mas na parte governamental/administrativa que é o meu retorno, eu ainda não me sinto inocentado, pois não consegui voltar para o quadro de funcionário público. Tem mais de um ano que fui absolvido e entrei com pedido de reintegração no meu serviço, e até hoje não recebi resposta do Governo do Estado. Meu processo está lá parado na PGE, não sei por qual motivo”, afirma.

Durante esse longo período, ele não se desligou da categoria. Atuou por nove anos no Sindicato dos Agentes Penitenciários e aderiu aos movimentos da classe como, por exemplo, de reivindicação do Registro Geral Anual (RGA).



Atualmente, o ex-agente luta para conseguir ser reintegrado no serviço público de Mato Grosso. “Pedido de desculpa, sabemos que não vai ter. Eu também não quero pedido de desculpa, quero que eles reparem o que foi feito. Quero ser restituído ao meu cargo de agente penitenciário, quero que seja restituído o tempo que eu perdi. Quero ter dignidade de andar com cabeça erguida, de ser justiçado”, pede. 

“O Estado vai reconhecer que errou, quando me reconduzir ao cargo. Já passou o governador Blairo Maggi, veio Silval Barbosa, Pedro Taques. Minha esperança é que a equipe do Mauro Mendes cumpra com carinho esse pedido de reintegração, possa avaliar a decisão judicial e me reconduzir ao cargo. Isso tem oito meses parado na PGE. Eu sou pai de quatro filhos, avô de dois netos. Família humilde, pobre, tentei vencer na vida me tornando servidor público, prestando meu serviço com respeito perante a sociedade. Estou há 13 anos brigando para ter meus direitos reconhecidos e retornar ao Estado”, finaliza.
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