Dois renomados juristas latino-americanos debateram nesta quarta-feira (8/6), em seminário sediado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), as condições nas quais os tratados internacionais são aplicados à legislação dos estados signatários. O professor argentino Néstor Pedro Sagüés abordou a categoria mutante dos tratados internacionais no ordenamento jurídico argentino, enquanto o especialista peruano César Landa defendeu a necessidade de os judiciários nacionais terem autonomia para interpretar as normas estabelecidas no plano internacional.
Segundo o professor emérito da Universidade de Buenos Aires, Néstor Pedro Sagüés, ao longo das últimas décadas a Suprema Corte argentina tem mudado o entendimento a respeito da relação entre as decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos, tomadas com base na Convenção Americana de Direitos Humanos (conhecido como Pacto de San Jose), tratado internacional firmado por Brasil, Argentina e outros países das Américas.
“Os tratados internacionais assinados pela Argentina não são texto constitucional, mas têm categoria supralegal (acima das leis ordinárias) e sub-constitucional (inferior à Constituição). Esse status é ambíguo e problemático. Quando um tratado internacional – o Pacto de San Jose, por exemplo – se opõe a uma parte da Constituição, provocam-se incógnitas a respeito de qual norma deve prevalecer”, afirmou o professor, que também é presidente honorário do Instituto Ibero-americano de Direito Processual Constitucional.
O jurista citou o caso dos militares argentinos que foram anistiados por atos cometidos no mais recente regime militar (entre 1976 e 1983) em 1990. Anos depois, atendendo a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que considerou os indultos e anistias concedidos “carentes de eficácia jurídica” por perdoarem crimes de “lesa-pátria”, a Suprema Corte modificou a decisão anterior e os condenou novamente. Em outros casos, o tribunal reinterpretou o direito interno à luz da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Foi esse o caso da norma constitucional que considerava “irrecorrível” qualquer decisão do Juizado de Ajuizamento Federal. Provocada por um juiz que usou o Pacto de San José como argumento para reverter a decisão do Juizado que o destituíra do cargo, a Suprema Corte revogou o ato. “A Suprema Corte afirmou que as decisões daquele órgão continuavam irrecorríveis, mas apenas nos planos administrativo e político, mas não na esfera judicial. Com isso, abriu-se um campo infindo de interpretações”, afirmou.
No Brasil – Presidente da mesa em que o especialista argentino palestrou, o conselheiro do CNJ Bruno Ronchetti lembrou que o Brasil mudou o status de alguns tratados internacionais firmados pelo país. Promulgada em 2004, a Emenda Constitucional 45 conferiu valor constitucional a tratados e convenções internacionais sobre “direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros. Dessa forma, os tratados internacionais que versem sobre direitos humanos, ou terão status constitucional, se aprovados por quórum qualificado, igual ao exigido para emenda constitucional e em dois turnos, ou terão status supralegal, se a incorporação ocorreu antes da referida emenda, como ocorre com o Pacto de San Jose da Costa Rica e reconhecido pelo STF ao julgar a impossibilidade de prisão civil do depositário infiel”, disse.
Autonomia – O professor da Universidade Católica do Peru, César Landa, defendeu que os poderes judiciários nacionais precisam de autonomia para superar os conflitos que se manifestem entre os enunciados dos tratados internacionais e as leis internas. “Os diálogos não devem ser unilaterais, hierarquizados. Precisam ser horizontais e assumir que existe um certo nível de conflito entre as normas”, afirmou.
Para Landa, que já presidiu o Tribunal Constitucional do Peru, o sistema interamericano compartilha alguns valores, como a democracia, os direitos humanos e o estado democrático de direito. “O pluralismo constitucional supõe um grau de apreciação nacional que está mais expresso no direito comunitário praticado entre os magistrados europeus. É preciso uma margem de interpretação para os estados nacionais”, disse Landa.