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Quinta-feira, 28 de março de 2024

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Processo administrativo de responsabilização e o compliance

Recentemente a Controladoria Geral da União publicou a Instrução Normativa nº 13/19 definindo, no âmbito federal, os procedimentos para apuração da responsabilidade administrativa de pessoas jurídicas de que trata a Lei nº 12.846/13 (Lei Anticorrupção - regulamentada por meio do Decreto nº 8.420, de 2015), por prática de atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira. A IN nº 13/19 também será aplicada, em havendo lacuna nas regras específicas, para apurar infrações administrativas previstas nas normas de licitações e contratos da administração pública, mesmo que os fatos a serem apurados sejam anteriores à vigência da Lei nº 12.846, de 2013, ou em caso de infrações administrativas que possam resultar na responsabilização de pessoas jurídicas por comportamento inidôneo, prática de fraude ou simulação junto à administração pública.

Compete a autoridade máxima de cada órgão ou entidade do Poder Executivo Federal instaurar e julgar o Processo Administrativo de Responsabilização, comumente chamado de PAR, o que também poderá ser exercido de ofício na ausência de provocação. Entretanto, cabe delegação dessa competência à corregedoria ou àqueles responsáveis pela correição, ou até mesmo à órgão colegiado definido em regulamento interno para esse fim.

Mas, caso a autoridade máxima do órgão fique inerte (o que poderá resultar na instauração de procedimento disciplinar para apurar sua responsabilidade), ou inexista condições objetivas dela agir, a CGU tem competência para avocar a instauração do PAR , bem como para exame de sua regularidade ou correção de eventual andamento irregular, podendo, até mesmo, aplicar a penalidade administrativa. O mesmo ocorrerá em decorrência da complexidade, repercussão e relevância da matéria sob análise, e ainda se a apuração envolver mais de um órgão ou entidade lesada ou em decorrência do valor do contrato.

No que se refere a competência de agir, se o ato lesivo foi praticado contra a administração pública estrangeira, a exemplo da prática de corrupção ativa em transação comercial internacional, ela será exclusiva da Controladoria Geral da União. Lembrando que, nesse caso, aplicar-se-á, também, a competência dos órgãos estrangeiros para apuração e condenação, conforme dispõe, por exemplo, a FCPA (USA) e a UK Bribery Act (Reino Unido).

Se após investigação preliminar a autoridade brasileira competente, na forma da IN nº 13/19, decidir pela instauração do PAR, ela deverá constituir uma comissão composta por dois ou mais servidores, obrigatoriamente estáveis ou empregados públicos – quando for o caso, e publicar portaria no Diário Oficial da União dando publicidade a esses atos, fazendo constar, inclusive, o prazo para conclusão dos trabalhos da comissão, que será de no máximo de cento e oitenta dias, salvo no caso de pedido justificado de prorrogação. Neste caso, a autoridade com competência para instaurar o PAR proferirá decisão fundamentada acolhendo ou não este pleito.

Já observando a tendência de processos eletrônicos, a IN nº 13/19 prevê que, caso o órgão ou entidade pública federal disponha de ferramentas tecnológicas adequadas, o PAR deverá ser autuado e conduzido preferencialmente pela via eletrônica, possibilitando, assim, o acesso remoto e o peticionamento eletrônico. Traz também a possibilidade dos atos probatórios serem realizados por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, assegurado o direito ao contraditório e à ampla defesa. E neste ponto, a necessidade da administração pública ter mecanismos eletrônicos robustos para proteção dos dados pessoais, na forma da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), se acentuam.

Como condutora do PAR, será a comissão que intimará a pessoa jurídica processada para apresentar defesa, provas e especificar as que pretende produzir no decorrer da instrução processual. Ressalta-se, aqui, a importância da pessoa jurídica não só possuir um programa de integridade, mas aplicá-lo. Nesse caso, sua comprovação será matéria relevante na sua defesa, ainda mais considerando que, em caso de eventual condenação, esse fato resultará na redução da multa em 1 a 4%, de acordo com o inciso V, artigo 18, do Decreto nº 8.420/15. 

No que tange ao programa de integridade - também chamado de programa de compliance, a IN nº 13/19 estabelece que a metodologia para sua análise, bem como os modelos de Relatório de Perfil e de Conformidade, além de outros, observará as orientações, guias e manuais publicados pela CGU, onde se encontra material que tem servido de referência para muitas ações, seja na esfera pública ou privada. 

No relatório final a comissão apuradora do PAR, em entendendo pela punição da pessoa jurídica, deverá indicar a proposta de aplicação das sanções previstas no art. 6º da Lei nº 12.846, de 2013; fundamentar a sugestão de aplicação de multa com base em memória de cálculo detalhada da dosimetria da multa, com descrição da análise do programa de integridade; sugerir a aplicação das sanções da Lei nº 8.666, de 1993, ou de outras normas de licitações e contratos da administração pública e propor o envio de expediente, após a conclusão do procedimento administrativo, dando conhecimento ao Ministério Público e à Advocacia-Geral da União para análise quanto à pertinência da responsabilização judicial da pessoa jurídica, nos termos do Capítulo VI da Lei nº 12.846, de 2013.

Será a proposta de sanção contida no relatório final da comissão que definirá a autoridade julgadora do PAR, e, no caso de atos lesivos que configurem simultaneamente infrações à Lei nº 8.666, de 1993, ou a outras normas de licitações e contratos da administração pública, deverá ser observado o disposto no art. 12 do Decreto nº 8.420, de 2015. Mas, havendo ocorrência de eventuais ilícitos a serem apurados em outras instâncias, as principais peças que compõem o PAR deverão ser encaminhadas aos demais órgãos competentes, conforme o caso, sem prejuízo da comunicação ao Ministério Público e à Advocacia-Geral da União. 

Em caso de condenação com determinação do pagamento de multa, e esta não for paga ou o for de forma parcial, a unidade administrativa será responsável pela inscrição da pessoa jurídica na Dívida Ativa à União, autarquias ou fundações públicas, bem como por promover medidas cabíveis para cobrança do débito.

Observa-se, pois, que a administração pública tem demostrado, cada vez mais, a importância de um programa de integridade sólido nas empresas que contratam com ela, o que já é exigido por lei estadual em alguns Estado, a exemplo do que ocorre no Rio de Janeiro e Distrito Federal. Sua existência também será considerada pelas autoridades estrangeiras nos processos que lá tramitarem. 

Destarte, se não tiver como fundo principal e como vontade primeira do empresário que sua empresa seja integra, ética e que possua mecanismos de combate à prática de corrupção, fraudes e ilícitos, que a implantação do programa de integridade ocorra pelo menos visando a redução dos valores de eventual multa que lhe for aplicada. Sendo um programa sério, sua real finalidade, por certo, se sobreporá ao interesse inicial e o empresário passará a compreender sua grande  importância e os benefícios que trará à sua organização. 


LUCIANA SERAFIM DA S. OLIVEIRA é advogada, sócia do Saavedra & Gottschefsky Advogados, vice-presidente da Comissão de Estudos Permanentes de Compliance da OAB/MT, especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Candido Mendes; possui formação em Gestão de Compliance pelo Insper e em Investigações Internas pela Legal, Ethics and Compliance (LEC), integrante da Comissão que regulamentou a Lei Anticorrupção no Estado de Mato Grosso, ex-coordenadora da Unidade de Integridade da Secretaria de Educação do Estado de Mato Grosso, ex-chefe da Unidade de Compliance e Controle Interno na Agência de Fomento do Estado de Mato Grosso, membro da Comissão Permanente de Estudos de Compliance do IASP; membro Coordenadora Reginal do Compliance Women Committee.
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