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Sábado, 25 de janeiro de 2025

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A ética do sigilo e a essência da advocacia criminal

A advocacia criminal não é apenas uma profissão; é uma missão que coloca o advogado na linha de frente da defesa da justiça, garantindo que ninguém seja desamparado diante do Estado. Muito mais do que dominar técnicas jurídicas, é colocar o coração na defesa, sendo, muitas vezes, a última barreira contra a arbitrariedade.
 
Essa missão é fascinante porque revela o lado mais humano do Direito. É trabalho que exige coragem para enfrentar o poder do Estado e empatia para ouvir quem, muitas vezes, foi calado.
 
Dar voz a quem precisa, construir argumentos que fazem diferença e, acima de tudo, garantir que ninguém seja tratado de forma injusta. É o traço de beleza.
 
É nobre porque, mesmo diante de ilegítimos preconceitos e desafios, o compromisso é sempre com a dignidade humana e com os valores democráticos.
 
Nem todos entendem o papel do advogado criminal. Há quem acredite que defender alguém é concordar com erros ou crimes. Essa visão não só é injusta, como também perigosa. Ela ignora que o trabalho do advogado é garantir que os direitos de todos sejam respeitados. Sem isso, ninguém está protegido.
 
A confidencialidade entre advogado e cliente é um exemplo marcante dessa proteção. Não se trata de um benefício individual, mas de um alicerce indispensável para o equilíbrio do sistema de justiça. Essa garantia permite que as pessoas confiem no sistema e tenham sua dignidade plenamente preservada.
 
Esse princípio transcende fronteiras. Em países como a Alemanha, os Estados Unidos e a França, o sigilo profissional é tratado com a mais alta seriedade, sendo reconhecido como um pilar essencial para o funcionamento justo do sistema jurídico.
 
No Brasil, a proteção da confidencialidade no exercício da advocacia está assegurada pela Constituição. O art. 133 garante a inviolabilidade dos atos e manifestações do advogado em sua prática profissional, complementado pelo art. 7º, II, do Estatuto da Advocacia e da OAB. Essa prerrogativa protege a confiança mútua entre advogado e cliente, sendo fundamental para assegurar a ampla defesa. Na advocacia criminal, sua importância é ainda mais evidente, já que o advogado frequentemente atua como a última barreira contra os excessos do poder estatal.
 
O Código Penal, no art. 154, criminaliza a violação de segredo obtido em razão de função, ofício ou profissão. Já o art. 207 do Código de Processo Penal protege aqueles que têm o dever de guardar segredo, impedindo-os de serem obrigados a depor. Esses dispositivos mostram que o sigilo não é um privilégio do advogado, mas uma proteção indispensável ao direito de defesa.
 
Além das garantias estabelecidas pela Constituição e pelo Código Penal, o Código de Ética da OAB, nos arts. 25 e 26, reforça a importância do sigilo profissional. Esses dispositivos consolidam essa prerrogativa.
 
O art. 25 destaca que “o sigilo profissional é inerente à profissão, impondo-se o seu respeito, exceto em caso de grave ameaça ao direito à vida, à honra, ou quando o advogado se veja afrontado pelo próprio cliente e, em defesa própria, tenha que revelar segredo, porém sempre restrito ao interesse da causa.” Essa previsão mostra que, ainda que o sigilo seja uma regra absoluta, a ética da profissão não ignora situações de conflito extremo, permitindo que o advogado atue dentro de limites que respeitam tanto o cliente quanto a própria dignidade do exercício profissional.
 
Já o art. 26 é categórico ao afirmar que “o advogado deve guardar sigilo, mesmo em depoimento judicial, sobre o que saiba em razão de seu ofício, cabendo-lhe recusar-se a depor como testemunha em processo no qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou tenha sido advogado, mesmo que autorizado ou solicitado pelo constituinte.” Esse dispositivo reforça o caráter inalienável dessa proteção, assegurando que o advogado não seja colocado em uma posição vulnerável que possa comprometer sua atuação ou a confiança do cliente.
 
Esses artigos não são meras normas legais; são a materialização dos princípios fundamentais da advocacia: assegurar direitos, construir pontes de confiança e atuar como defensores éticos e técnicos em qualquer cenário. O advogado criminal, em especial, carrega sobre seus ombros a responsabilidade de atuar em cenários complexos, onde o sigilo não é apenas uma prerrogativa, mas um pilar que sustenta a possibilidade de uma defesa justa e efetiva.
 
O respeito à confidencialidade vai além das normas legais; é um imperativo ético e um compromisso com a sociedade. Garantir essa proteção significa preservar os fundamentos de um sistema de justiça que prioriza a dignidade humana e assegura o direito à ampla defesa.
 
Vivemos um momento de tensão. Há uma ânsia crescente por punições rápidas, quase como se a justiça devesse se curvar à sede por resultados imediatos. Isso cria um ambiente perigoso, onde garantias fundamentais, como o sigilo profissional, podem ser relativizadas em nome de uma suposta eficiência. Mas o advogado criminal não pode e não deve se curvar a essas pressões. Nosso compromisso é com a justiça, não com a aprovação social.
 
É fundamental lembrar que respeitar o sigilo profissional não é proteger o erro, mas garantir que o direito à ampla defesa seja efetivamente respeitado. Sem essa proteção, um advogado não pode exercer seu papel de forma plena, e, sem defesa, não há justiça. É nosso dever, como advogados criminais, resistir às tentativas de enfraquecer essa prerrogativa e continuar lutando pelo equilíbrio entre justiça e direitos, mesmo quando a sociedade, movida pela emoção, parece ignorar sua importância.
 
Por isso, defender o sigilo profissional não é uma questão de conveniência, mas de ética. É reafirmar que a advocacia criminal é uma peça indispensável na construção de uma sociedade justa, onde todos, sem exceção, têm direito a serem ouvidos, defendidos e tratados com dignidade.
 
Apesar do arcabouço jurídico que assegura a inviolabilidade da relação advogado-cliente, essa garantia tem sido frequentemente desafiada em momentos de pressão social por resultados imediatos. Durante a ditadura militar no Brasil, advogados como Sobral Pinto e Técio Lins e Silva se destacaram na defesa de presos políticos, enfrentando perseguições, ameaças e até prisões arbitrárias. Esses episódios históricos destacam a relevância da confidencialidade como uma ferramenta essencial para a proteção dos direitos fundamentais, especialmente em tempos de autoritarismo.
 
É por isso que defender o sigilo profissional não é apenas proteger os advogados, mas proteger cada cidadão, todos nós. Porque, sem confiança, não há defesa. E sem defesa, a justiça perde seu significado.
 
É importante que todos conheçam o papel da advocacia criminal. Quando entendemos o quanto é fundamental para a sociedade, fica mais fácil desmistificar preconceitos. Programas de educação jurídica e campanhas de valorização da profissão podem ajudar. O advogado criminal não é um adversário da justiça. Ele é um dos seus maiores aliados.
 
Ser advogado criminal é acreditar que ninguém deve ser abandonado diante do poder do Estado. É entender que está inserido em uma luta constante pela dignidade, pela liberdade e por uma justiça que realmente funcione para todos.
 
Os advogados criminais estão na linha de frente da defesa dos valores que fazem de uma sociedade um lugar justo, livre de arbitrariedades. Proteger a advocacia criminal é resguardar a essência da democracia e os direitos que sustentam uma sociedade justa.
 
A luta é constante. Cada um de nós deve se comprometer a defender a advocacia criminal como um dos pilares de uma sociedade livre e democrática. Seja valorizando o trabalho dos advogados, seja rejeitando qualquer tentativa de fragilizar suas prerrogativas, todos podemos contribuir para garantir uma justiça que funcione para todos.
 
Valorizar a advocacia criminal é um compromisso com a justiça, um reforço aos direitos fundamentais e uma defesa intransigente dos valores que sustentam uma sociedade verdadeiramente democrática. Sem ampla defesa, não há democracia, e sem democracia, o futuro perde sua essência de liberdade e igualdade.

Fernando Faria é advogado com atuação em todo território nacional, notadamente em Mato Grosso, São Paulo e Brasília. Sua trajetória profissional inclui a condução de casos de alta complexidade e repercussão nacional.
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