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É possível herdar as redes sociais e o patrimônio virtual de uma pessoa falecida?
Autor: Victor Hugo Senhorini
03 Dez 2024 - 08:00
Atualmente, todos vivemos em uma era onde nossa vida digital é tão ou mais importante que nossa vida analógica. Pense em todas as suas contas de redes sociais, e-mails, arquivos em nuvem e até mesmo em moedas digitais. Agora pense como o simples ato de ver a bateria do celular descarregar pode nos causar ansiedade, pois perdemos o acesso imediato a todos esses nossos recursos e informações. Sim, os aparelhos tecnológicos se tornaram uma extensão de nossas vidas, o que torna o valor desses ativos digitais ainda maior.
No mundo de hoje, assinar um cheque e enviar cartas quase não existem mais, e nessa sociedade digitalizada que vivemos, a herança digital, portanto, refere-se ao conjunto de ativos digitais que podem ser transmitidos após a morte de uma pessoa. Estes ativos podem incluir desde contas em redes sociais até dados financeiros e arquivos digitais diversos, no entanto, a extensão exata dessa herança ainda é objeto de debate no meio jurídico.
E fato é que a sociedade atual não comporta mais as soluções já existentes, ficando nossa legislação com uma lacuna que precisa ser preenchida, uma vez que, com a evolução constante das tecnologias e a digitalização de praticamente todas as esferas de nossas vidas, desde comunicações pessoais até transações financeiras, as antigas metodologias de gestão patrimonial e sucessão tornaram-se obsoletas frente ao digital, e a proposta de atualização do Código Civil vem também tratando dessa questão.
Já se perguntou o que acontece com todo esse "patrimônio digital" quando falecemos? Provavelmente não! E isso se justifica porque as antigas gerações não possuíam patrimônios digitais relevantes, mas hoje, com uma geração nato digital, a realidade mudou.
Como dito anteriormente, nosso ordenamento jurídico não oferece uma resposta clara para essas questões, evidenciando a urgente necessidade de regulamentação. Atualmente, está tramitando no Senado a atualização do Código Civil, que inclui normas específicas sobre herança digital, regulando, de forma expressa, diversas questões que hoje são discutidas no meio jurídico, tais como, a conceituação de bens digitais, abrangendo, entre outros, senhas, dados financeiros, perfis de redes sociais, contas, arquivos de conversas, vídeos e fotos, arquivos de outra natureza, pontuação em programas de recompensa ou incentivo e qualquer conteúdo de natureza econômica, armazenado ou acumulado em ambiente virtual, de titularidade do autor da herança.
A referida proposta ainda prevê serem nulas de pleno direito quaisquer cláusulas contratuais voltadas a restringir os poderes da pessoa voltadas a restringir os poderes da pessoa de dispor sobre os próprios dados, salvo aqueles que, por sua natureza, estrutura e função tiverem limites de uso, de fruição ou de disposição, e, salvo expressa disposição de última vontade e preservado o sigilo das comunicações, as mensagens privadas do autor da herança difundidas ou armazenadas em ambiente virtual não podem ser acessadas por seus herdeiros.
O relatório do projeto diz, ainda, que o compartilhamento de senhas, ou de outras formas para acesso a contas pessoais, serão equiparados a disposições negociais ou de última vontade, para fins de acesso dos sucessores do autor da herança, sendo possível que o herdeiro, mediante autorização judicial, acesse “as mensagens privadas do autor da herança, quando demonstrar que, por seu conteúdo, tem interesse próprio, pessoal ou econômico de conhecê-las”.
Fica claro, portanto, que a regulamentação proposta não só oferece segurança jurídica, mas também assegura que a memória digital dos indivíduos seja tratada com a devida consideração, e ao definir claramente como os bens digitais devem ser geridos após a morte, protegemos não apenas o valor econômico desses ativos, mas também a privacidade do falecido.
Em suma, a atualização do Código Civil para incluir disposições sobre patrimônio digital é um passo crucial para alinhar nosso ordenamento jurídico com as realidades deste século, ao passo que, a proteção do patrimônio digital não é apenas uma questão legal, mas um imperativo moral em uma era dominada pela tecnologia.
Victor Hugo Senhorini é Advogado e Consultor Jurídico nas áreas de Direito Administrativo e Empresarial, Professor Universitário de Direito Público, e atualmente Membro das Comissões de Direito Agrário e de Meio Ambiente da OAB/MT.