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Quinta-feira, 28 de março de 2024

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A autoalienação parental ou alienação autoinfligida

A Alienação é definida na Lei 12.318/2010 como “... a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este. 

É, contudo, a prática mais comum no seio das famílias em crise ou que não superaram a crise de um divórcio. É importante dizer que a alienação parental pode acontecer antes do divórcio, ou seja, quando o casal está convivendo como casados.

No entanto, existe uma outra forma de abuso emocional, em que o genitor que reclama ser alienado é o responsável pelo afastamento dos filhos, em razão de alguns comportamentos de abuso e desunião, denominados de autoalienação parental ou alienação auto infligida.

A autoalienação parental ou alienação auto infligida acontece quando o genitor ao receber o filho no período de convivência, se comporta ofendendo o outro genitor ou mesmo passa a fazer críticas duras acerca do modo como o outro genitor está conduzindo a criação da criança ou do adolescente, ou mesmo passa a desqualificar os sentimentos dos filhos.

É uma alienação parental de forma inversa, o auto alienador na ânsia de atingir o genitor que detém a guarda ou que reside com os filhos, passa a se colocar no lugar de vítima.

Normalmente usa de expressões como: “sua mãe acabou com a família” ou “ sua mãe me destruiu”  ou “ sua mãe faz de tudo para me ferrar”. Estas são as expressões mais comuns que ouvimos das crianças ou do genitor.

Os filhos cansados de serem abusados emocionalmente e negligenciados em suas emoções, e pelo fato de constatar que não possuem  uma convivência harmoniosa com o genitor, passam  a não mais aceitar as visitas  e a convivência com o genitor nos dias acordados. E neste caso, o genitor  repudiado pelos filhos culpa o outro de alienação parental.

Os profissionais da psicologia têm nos informados que uma das maiores dificuldades no processo terapêutico que visa à reabilitação de famílias em conflito é que o genitor repudiado pela criança geralmente contribui diretamente para a alienação e para a perpetuação da situação de conflito com o outro genitor. É muito comum que um dos genitores, normalmente o pai, adote uma postura distante, rígida e autoritária.

Este comportamento é mais comum e predominantemente masculina, e  reflete no desejo de manter a autoridade patriarcal e punir a ex-cônjuge.

Rolf Madaleno foi o pioneiro no reconhecimento dessa prática como uma forma de violação aos direitos das crianças e adolescentes. Para ele, a autoalienação pode ser causada "pelo progenitor destituído da guarda dos filhos, gerada pelo comportamento disfuncional de um pai que pode muito bem não ter conseguido superar a ruptura do seu casamento".

No caso da alienação parental auto infligida, um dos pais está tão obstinado pelo fato de as coisas não estarem funcionando como desejado, que atribui a responsabilidade dessa constatação a um suposto ato de deslealdade do outro genitor, sendo incapaz de observar que os filhos, bombardeados por uma série de agressões psicológicas, estão sofrendo com as situações que ele mesmo ocasiona.

São forma de autoalienação parental:

1 – Ausência prolongada e imotivada dos filhos;
2 – Descumprimento dos deveres da guarda e dos alimentos;
3 – Agressividade com os filhos, violência física, verbal e austeridade excessiva;
4 – Desprezo pela vida cotidiana do filho e falta de diálogo, levando o filho a pensar que está sendo suportado e não amado.
5 – Culpar o  genitor em que o menor reside.
6 – Culpar os filhos por tudo que acontece.

Sob a ótica de Ana Carolina Carpes Madaleno e Rolf Madaleno, na obra “Síndrome da Alienação Parental”, a autoalienação apresenta-se como um desejo de manter a relação por meio do conflito.

A rejeição dos filhos neste caso surgem de forma tão espontânea, que fica difícil entender os motivos em um primeiro momento, necessitando muitas vezes da ajuda profissional para conhecer os motivos do afastamento e da negativa do filho  em visitar o genitor.

Acontece que quando os filhos demonstram rejeição pelo genitor, este se aproveita do fato, se coloca como vítima  e acusa o outro genitor de alienador. Com isso se inicia um processo de guerra que agrava ainda mais o conflito familiar e ainda a situação psicológica dos filhos.

A autoalienação é cruel, e atenta contra a dignidade das crianças e adolescentes prejudicando o desenvolvimento normal delas, o que se agrava no Brasil pela  falta de previsão legal.

A insegurança jurídica decorrente do desconhecimento da prática de autoalienação parental fazem com que muitos casos sejam conduzidos de maneira equivocada, atribuindo-se a um dos genitores a prática de alienação parental, quando, na verdade, se tem a situação inversa, que pode culminar em atos de autoalienação parental.

Devemos ficar despertos para estes casos, pois existem formas de adequá-lo à lei de Alienação Parental enquanto não houver legislação específica.


Autora: Ana Lúcia Ricarte, Advogada familiarista, Diretora da Associação Brasileira de Advogados.
 
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