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DEBATE JURÍDICO

Pecha de 'tortura' para prisões que resultam em delação é 'falsa', diz procurador de justiça de SP

07 Abr 2018 - 14:35

Da Redação - Paulo Victor Fanaia Teixeira

Foto: Olhar Direto

Pedro Henrique Demercian

Pedro Henrique Demercian

“No Brasil, toda novidade chega com certo atraso e receito”, ironiza o professor e procurador de Justiça Criminal no Estado de São Paulo, Pedro Henrique Demercian, ao se referir às queixas comuns da advocacia penal sobre o instituto da colaboração premiada. No último dia 23, o professor palestrou para 140 membros do Ministério Público Estadual (MPE).

Com exclusividade ao Olhar Jurídico, Demercian rebate às criticas de que a prisão preventiva esteja sendo usada com o intuito de “forçar” um acordo de delação. Seriam críticas “falsas”, “infundadas e meramente discursivas”, sustenta o professor.

Ainda levantamos a questão: o instituto da delação premiada tornou o exercício investigativo mais preguiçoso?

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“Objetivamente, tenho a impressão que boa parte das críticas, algumas mal intencionadas, outras bem intencionadas, no campo teórico, são fruto do desconhecimento do que seja efetivamente a colaboração premiada. Boa parte das críticas é importada do direito estrangeiro e não se aplicam ao modelo brasileiro”, abre o procurador de Justiça Criminal no Estado de São Paulo, Pedro Henrique Demercian.
Em Mato Grosso, críticas ao instituto são bastante comuns, sobretudo entre advogados. Desde a deflagração da “Operação Sodoma”, destaca-se a tese de que as prisões preventivas têm sido colocadas em prática com exorbitância afim de “forçar” um acordo de delação premiada. Os números sugerem isto. Dos cerca de 10 investigados, sete fizeram, ao cabo das ações penais, um acordo com o Ministério Público. O mais relevante deles, certamente, o do ex-governador do Estado Silval da Cunha Barbosa.

A impressão não é apenas do meio jurídico. O próprio cidadão, como se verifica nos comentários das notícias Olhar Jurídico, percebe que o dia-a-dia na cela é o “melhor remédio” para “abrir o bico” de um investigado.  Onde há fumaça, há fogo? Para Demercian, não.

“Convenhamos que esta expressão ‘colaboração premiada sob tortura’ é mais retórica que qualquer outra coisa. ‘Ah, a pessoa é torturada para confessar’, isso é uma questão retórica, discursiva, feita por aqueles que não concordam com o instituto. No fim do ano passado - cito o exemplo da ‘Lava Jato’ - os procuradores publicaram estatística do número de presos que colaboraram. O número é mínimo. De 239 colaborações, mais ou menos, apenas 20 eram de quem estava preso. Se você buscar as estatísticas, verificará que essa crítica é falsa. Obvio que o colaborador integrava uma organização criminosa, ninguém diz que ele é um santo, inocente ou vestal. Mas, é aquele que resolveu colaborar por vários motivos. Porque se arrependeu (talvez o motivo menos recorrente) ou porque visou vantagens em colaborar. Na vida nós fazemos isso, avaliamos questões de custo-benefício. Essa avaliação não tem nada de ilegal ou criminosa, é natural da vida. Essas críticas, na minha opinião, são infundadas e meramente discursivas, são feitas para serem divulgadas na mídia mesmo”, avalia.

Delação, um atalho na investigação:
 
Outro aspecto pertinente ao instituto da delação premiada é comumente debatido no meio jurídico nacional: o Ministério Público estaria, ao apostar na delação premiada como principal elemento de uma investigação, abrindo mão do seu papel de investigar e denunciar? Em outras palavras, a “garantia” da colaboração estaria deixando as investigações mais “preguiçosas”?

Como bem avalia Demercian, a delação premiada tem sido a principal arma do MP na “Operação Lava Jato”, que apura indícios de superfaturamento de contratos firmados entre a Petrobras e empreiteiras. A primeira delas partiu de Alberto Yousseff, denunciado como operador financeiro do esquema e Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras. Sem as provas apresentadas por eles, o MP jamais teria chegado onde chegou. Será mesmo?

Em 2015, o desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro Adilson Macabu, já cantava a pedra: Ao optar pela delação, o MP delega para os investigados a função de investigar, tornando-se mero espectador. “O ato de delegar ao réu a atribuição de acusar, escolhendo quem deve ser investigado, não poucas vezes, segundo critérios subjetivos e espúrios, deve ser repudiado”, disse, em entrevista ao site ConJur.

Demercian rejeita a tese. “Não vejo que a investigação se torna mais preguiçosa com o instituto da delação premiada”. E  discorre. “O que vejo com clareza é o seguinte: vivemos num tempo social do direito acelerado. As relações sociais são complexas, dinâmicas, é a época da informação. Temos que buscar o pragmatismo dentro do direito. Claro, respeitando as regras do devido processo legal e seus direitos fundamentais. Agora, o objetivo do processo não é o processo em si, é o resultado útil. Seja a condenação, seja a absolvição do inocente. O processo não é o objetivo em si mesmo. Não posso privilegiar a forma pela forma. A forma existe para garantir algum direito. Não vejo mal nenhum em si encurtar o andamento processual, se facilitar a distribuição da justiça por instrumentos como o da colaboração premiada. Isso já é realidade no mundo inteiro. No Brasil é que sido objeto de críticas contundentes. Já se aceita isso com tranqüilidade, na Europa Continental e nos Estados Unidos – no direito anglo-saxão".

À bem da verdade, abre o jogo, o professor. "Aqui, toda novidade chega com certo atraso e receito. Digo o seguinte, nenhuma reforma puramente penal ou processual penal surte efeito se não houver mudança de mentalidade. O que pretendemos com o direito penal, e aí sim implementar as regras inovadoras. Estamos neste caminho, com a colaboração premiada”.
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