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CRIMES SEXUAIS

Promotor defende debate sobre castração química para criminosos sexuais; confira entrevista

28 Fev 2016 - 17:06

Da Redação - Paulo Victor Fanaia Teixeira

Foto: Reprodução

Promotor Rinaldo Segundo, mestre em Direito pela Universidade de Harvard

Promotor Rinaldo Segundo, mestre em Direito pela Universidade de Harvard

A exploração sexual infantil e crimes sexuais geram enorme debate na sociedade. Para muitos, a justiça aplica penas brandas demais para a natureza dos crimes. O que permite, por exemplo, que um pai de familia estupre e engravide suas duas filhaas, pegue somente três anos de cadeia, que retorne ao meio familiar e supostamente pratique o crime novamente, como já noticiado no Olhar Direto (matéria disponível no link abaixo). 

Se por um lado, na esfera criminal, o peso da justiça foi leve, coube à esfera cível aplicar medidas que protejam a familia: decidiram "expulsar" o "pai" da casa e inseriram a mãe e suas filhas em programas de apoio social e de moradia. A decisão foi muito comemorada pelo promotor Rinaldo Segundo, que acredita que o Brasil deveria voltar a pensar em medidas que protejam as crianças e evitem que o meliante volte a cometer o ato, quando solto. A castração química é uma dessas opções. Leia a continuação da entrevista com o promotor abaixo: 

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Promotor, existem tratamentos de criminosos sexuais no Brasil? Como funcionam?


No Brasil existem algumas experiências nesse sentido. Conheço superficialmente um desses programas realizado no Rio Grande do Sul, e conduzido por uma organização não governamental. Posso afirmar desconhecer programas públicos de tratamento de criminosos sexuais na prisão ou após deixar a prisão. Meu desconhecimento não significa que tais programas não existam, mas seguramente eles são precários, incipientes ou insuficientes. Então, o criminoso sexual deixa a prisão da mesma forma que entrou e volta à sociedade, anonimamente, sem qualquer tratamento. Aqui também, e como de costume em nosso querido Brasil, os mais vulneráveis serão as crianças, as mulheres e os pobres. Os pobres serão mais vulneráveis, seja por que eles tem menores possibilidades de contratar vigilância protetiva sobre seus filhos (babás, por exemplo), seja por terem menos capacidade de comprar segurança privada (cercas elétricas e muros que dificultam o acesso de criminosos sexuais à residência, carros que protegem de se andar tarde da noite na rua sozinho(a), etc...). Pessoalmente, sou a favor de experiências relacionadas ao tratamento, e dois argumentos que reforçam a minha posição são a baixa pena dos crimes sexuais associada à vedação de pena perpétua na legislação brasileira. Assim, como o criminoso sexual vai sair da prisão e o fará rapidamente, tudo que puder reduzir esse tipo de crime merece tentativa. Na literatura científica, o debate tem sido intenso, mas ainda insuficientemente conclusivo. Alguns estudos apontam a redução da reincidência com o tratamento, enquanto outros estudos concluem que as evidências científicas são insuficientes para se extrair uma conclusão sobre o tema. Um livro de 2006, cujo título livre em português pode ser “Quais punições são eficazes: reduzindo as atividades criminosas de delinquentes”, mostrou que os programas mais eficientes para criminosos sexuais associam psicoterapia e castração química.

Castração química?

Exatamente. Isso consiste na compulsoriedade de um criminoso sexual receber regularmente injeções ou comprimidos que reduzam a sua libido. O tema é polêmico não apenas no Brasil, e salvo engano há um projeto no Congresso sobre o assunto. Explico o por quê. É um princípio de justiça contemporâneo que as punições não podem ser degradantes ou cruéis. Isso remete a um passado sombrio em que as pessoas eram esquartejadas sobre os aplausos de populares, geralmente após julgamentos sorrateiros. Isso é uma cláusula pétrea da Constituição brasileira e tal princípio seguramente inspirou diversas legislações penais mundo afora. Inegavelmente, esse princípio é importante. A questão é: é uma pena degradante ou cruel obrigar um criminoso sexual a tomar uma injeção ou um comprimido que reduza a sua libido regularmente? Se pensarmos que não há na castração química violência ou humilhação ao indivíduo, a resposta é não. Alguns acharão que sim, classificando a castração química como a castração física, em que o caráter cruel é evidente. Agora, o debate é importante e deve existir. E é o debate que produzirá alternativas que protejam crianças, mulheres, pessoas com deficiências e grupos vulneráveis. Uma coisa é certa: uma sociedade ideal protege os seus grupos mais vulneráveis, como as crianças, com absoluta prioridade. Aliás, prioridade absoluta é a expressão prevista em nossa Constituição ao se referir às crianças, uma promessa constitucional ainda não cumprida.

Você falou que o criminoso sexual é diferente do criminoso comum, por que o crime sexual é diferente do crime comum?

Acho que sim, e acho que quem atua como uma certa frequência em casos de natureza sexual percebe isso ainda que não consiga explicar as razões. Primeiro por causa do impacto dos crimes sexuais sobre as vítimas e a sociedade. Há farta pesquisa demonstrando que crimes como estupro e abuso sexual de crianças geram maiores danos emocionais e por muito mais tempo que outros crimes também violentos. O abuso sexual infantil, em qualquer de suas formas, é associado a efeitos imediatos e permanentes, aumentando na vida adulta a ansiedade e a depressão, o uso demasiado de substâncias entorpecentes, problemas de comportamento etc... Como Promotor de Justiça, minha experiência confirma isso, e é muito, muito mais fácil ouvir uma vítima de um assalto com extrema violência ou uma vítima de uma tentativa de homicídio do que uma vítima de crime sexual. A segunda razão é igualmente importante: acredita-se que os criminosos sexuais apresentam altas taxas de reincidência. Acredita-se existir uma subnotificação desse tipo de crime, afetando a taxa de reincidência para baixo, apesar de todas as campanhas dos últimos anos. Vergonha, preservação de vínculos familiares e medo são razões para a subnotificação. Há essa pesquisa internacional de 1997 realizada por 25 anos que acompanhou agressores sexuais. Um terço dos criminosos sexuais contra crianças reincidiu em 25 anos. Se somarmos a isso a subnotificação, e os impactos desse tipo de crime, concluímos que o número de reincidência e as consequências de tais crimes exigem medidas mais protetivas às crianças, às mulheres, aos grupos mais vulneráveis.

E no Brasil, como funciona hoje, objetivamente?

Hoje, o cidadão é condenado e sofre os efeitos da condenação previstos nos artigos 91 e seguintes do Código Penal (exemplos: indenizar o dano, perda do cargo público, proibição de dirigir veículo, incapacidade para exercer o pátrio poder). Essas medidas são insuficientes para o criminoso comum, e ainda mais para os criminosos sexuais. Em se tratando de criminoso comum, a ressocialização falha em políticas pouco eficazes. Imagine-se um criminoso condenado por furto que, ao ser liberado provisoriamente ou progredido de regime, tivesse a obrigação de se submeter a um tratamento para o uso de drogas. Isso combateria a principal motivação para tal criminoso voltar a delinquir (furtar para comprar drogas). Políticas, assim, são praticamente inexistentes e poderiam ter um bom resultado para o criminoso comum. Mas, se as medidas previstas para o criminoso comum são precárias ou inexistentes, elas são ainda mais para os criminosos sexuais. Na prática, ele, criminoso sexual, será anonimamente liberado sem qualquer restrição especial. E, após o cumprimento da pena, vem a reabilitação criminal, uma ideia boa para o criminoso comum, mas que deveria ser mitigada em se tratando de criminosos sexuais. (A reabilitação restitui o condenado a sua situação de antes da condenação, retirando anotações negativas na ficha de antecedentes criminais de uma pessoa.)

As medidas para o criminoso sexual, que deveriam se manter para além da reabilitação, não tornariam a pena perpétua?

Alguns alegarão isso. Certamente, essa interpretação não atende ao melhor comando constitucional de priorizar as crianças. Recapitulando: os crimes sexuais tem consequências devastadoras, duradouras e alta reincidência. Eles também afetam os mais vulneráveis, as crianças, as mulheres e os mais pobres. Mas, o fundamental é que: tais medidas acima expostas não tem natureza penal, mas civil, objetivando exclusivamente a proteção dos mais vulneráveis ante à peculiaridade do criminoso sexual. Nós deveríamos pelo menos nos permitir testar algumas das medidas acima. Deu certo, continua. Não deu, reformula a medida.

Esse discurso não é conservador?

Ao contrário. Respeitando as divergências, esse discurso é progressista, pois protege os mais vulneráveis, os mais fracos, as mulheres, os mais pobres.

Pensar isso implica em ser favorável à redução da maioridade penal?

Não. A redução da maioridade, que sou contra, é proposta pouco inteligente, cujos prejuízos são muito maiores que os eventuais benefícios. E digo isso baseado na minha experiência de promotor da infância, em que a imensa maioria dos atos infracionais, crimes, dos adolescentes são resolvidos com medidas alternativas ao encarceramento, tais como, liberdade assistida, prestação de serviços à comunidade e outras punições pedagógicas. O resultado é muito bom. Imagina você colocar no cadeião de Cáceres um adolescente que pegou a moto do pai escondido para impressionar uma garota ou um grupo de adolescentes que, pela adrenalina e pela primeira vez, furta uma bicicleta. Prisões de adolescentes assim poderiam, aí sim, transformar um ato de rebeldia juvenil em aprendizado de banditismo. Proposta melhor foi a do Senador José Serra, encampada pelo Governo Federal, PSDB e PT também, salvo engano, que aumenta o tempo de internação para adolescentes que cometam crimes graves.

Suas considerações finais, promotor...

Primeiro, quero dizer que, dentro da unidade do Ministério Público brasileiro, os seus membros possuem diferentes opiniões. É possível que algumas propostas ou colocações ditas aqui não representem o conjunto dos colegas promotores. Segundo, agradeço ao Olhar Direto pela oportunidade de discutir tema tão relevante para a sociedade brasileira. Terceiro, o Brasil é uma jovem democracia, e é no debate democrático que aperfeiçoaremos nossas leis. Obrigado.

A primeira parte da entrevista você confere aqui.

Rinaldo Segundo é promotor de justiça no MPE e mestre em direito (Harvard Law School), é autor do livro “Desenvolvimento Sustentável da Amazônia: menos desmatamento, desperdício e pobreza, mais preservação, alimentos e riqueza,” Juruá Editora.
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